sábado, 10 de dezembro de 2011

SOBREVIVÊNCIA



A irmã mais nova de Vitor ia se casar hoje, ele havia decidido não comparecer, não se dava muito bem com ela e se dava muito menos com um primo que iria estar lá, ia acabar dando bosta. Queria evitar confusão. Desejava tudo de bom para ela, apesar de todos os problemas do passado.

Pensou em como seus pais estavam feliz, em como essas coisas de ter filhos, casar, passar em um concurso público, trabalhar, ter carro, roupas novas e seguir um certo padrão da sociedade enchiam eles de orgulho. Vitor jamais teria isso, nunca iria saber o que era transmitir este sentimento de orgulho para os outros e não entendia porque se sentia tão mal quanto a isso. Ele havia escolhido como seria sua vida, tinha decidido por si só que caminho seguir e estava aguentando as consequências nas costas já fazia muito tempo.

A visão que as pessoas tinham dele é que sua vida era muito boa, cercado de bebidas e com alguns poucos amigos aparecendo na sua casa de vez em quando. Ele não bebia porque a vida era fácil, era exatamente o contrário, ele bebia porque a vida era uma puta de uma filha da puta e beber era a única coisa que fazia com que ela ficasse o mínimo suportável.

Não esperava que ninguém o entendesse mais, só esperava que o deixassem quieto no seu canto, ignorassem sua existência. Sentia como se estivesse involuindo, se transformando em alguma espécie de animal, gostava se sair caminhando pela chuva forte e grunhindo como se fosse um lobo ou um coiote. Sentir a chuva batendo no seu corpo, a noite envolta dificultando a visão, a postura curvada e os cabelos e a barba longa molhados, sentia vontade de gritar e até de atacar alguém qualquer.

Talvez fosse esta sua sina, se afastar cada vez mais da humanidade, ver aqueles seres tão diferentes dele ao longe, como um animal assustado na beira da estrada olhando os carros. Vitor se sentia feliz com quem ele é, com quem ele escolheu ser, mas ao mesmo tempo se sentia triste porque ninguém conseguia olhar para ele e enxergá-lo, ninguém jamais conseguiria compreendê-lo e estaria então sozinho para o resto da vida.

Vitor podia viver com isto.
Vitor podia viver com quase tudo, pois ele é forte como um lobo, poderia sobreviver em qualquer lugar sob qualquer situação... Se quisesse.

Gustavo Campello

domingo, 4 de dezembro de 2011

O VAMPIRISMO DA VIDA PÓS-MODERNA



Eu já reagi a assaltos com facas, já reagi a assaltos com armas, já arrumei brigas na rua, já dormi na calçada e muito provavelmente já matei um homem, bati tanto na cabeça dele que nem me importei depois que me afastei deixando-o lá desacordado. Foi ele quem começou, um tremendo idiota, tentou me assaltar, então não tenho a menor pena.

Pensando nisto mais racionalmente percebo que não tenho o menor medo de morrer e durante muito tempo procurei pela morte meio que sem sucesso, acho que não era a minha hora, acho que as coisas são pra ser como são, ou quando a gente procura demais por ela nos tornamos meio que imunes a certos percalços.

Prefiro morrer do que viver como a maioria das pessoas, do que ser parte da massa de imbecis que de geração em geração ganham cada vez menos para sobreviver e sustentar mega corporações com o custo de seus suores e anos de vida, de robôs condicionados a criar uma suposta sociedade onde tudo o que fazemos é assistir nossas vidas esvaindo-se como grãos de areias entre dedos inescrupulosos de políticos corruptos e aceitar que leis e normas nos mastiguem como urubus e abutres mordiscando carniças.

Prefiro ver minha vida se esvaindo em nada, prefiro estar a parte e dar risada da suposta sociedade ridícula em que eu deveria viver e me contentar, seguindo partituras pré ensaiadas que ditam como eu deveria me vestir, falar, comer ou cagar. Escarro minha escatológica filosofia barata em qualquer um porque é tudo o que eu tenho, é tudo em que acredito, é tudo o que me restou.

E daí que eu nunca vou ser feliz vivendo como eu vivo? Agora eu já vi toda a peça por trás da cortina, não tem mais como entrar em cena e fingir que tudo é real, fingir que eu sigo algum script quando na verdade tudo o que eu faço é improvisar.

Eles podem até sugar o meu sangue, mas pelo menos eu sei que ele está sendo sugado.

Vitor Scaglia

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

OS TRÊS PRESENTES IGUAIS, TRÊS PESSOAS DIFERENTES E VÁRIOS PEIXES



Em homenagem a todos os meus peixes

Vitor não se lembrava quem ele havia tirado no primeiro amigo secreto da família, ele era pequeno, achou tudo aquilo divertido, porém ele se lembra perfeitamente que seu primo Giorgio o havia tirado, seu presente foi o melhor presente que ele poderia querer de aniversário e natal juntos, um aquário. Levou para a casa todo feliz, queria muito um desses porque o seu primo tinha um, lembrava de um verão em que o aquário estava vazio e eles encheram ele de lagartixas, caçavam lagartixas por toda a casa, depois as alimentavam com moscas, borboletas e qualquer outro tipo de insetos que encontravam. Este seu primeiro aquário teve uma vida curta, sua irmã bateu uma cadeira nele e o quebrou. Lembra de um Tricogaster que deu o nome de Jibóia por ser o terror do aquário, vivia batendo nos outros peixes, Vitor colocava o peixe de castigo em um pote branco ao lado do aquário para ele aprender a não maltratar os outros peixes, mas aquilo nunca funcionou. Jibóia morreu no holocausto da cadeira juntos com vários outros peixes, mas era da Jibóia que ele lembrava mais. Todos esses peixes haviam sido dados pelo seu primo Sandro que morava no mesmo prédio que Vitor, eles ficavam num pote em cima da escrivaninha do primo, quando Sandro ficou sabendo do aquário de Vitor achou melhor para os peixes irem para um lugar mais confortável e doou Jibóia e Cia.

Seu segundo aquário foi comprado como presente de aniversário de 10 anos, lembra até hoje de ir com seu pai até uma loja de aquários que se chamava “Moby Dick” e escolher um aquário de trinta litros com tampa e apoio de madeira, plantas de plástico, um timão amarelo que soltava bolhas e um motor de oxigênio vermelho. Seu pai havia ajudado a escolher o melhor aquário do mundo. Este aquário Vitor acabou dando para sua filha, mas ela desistiu depois que a Dorothy morreu. Vitor passou anos com ele ao lado de sua cama, vários peixes passaram por ele e talvez tenha sido com ele que Vitor tenha começado a tentar escrever algo, pois produzia histórias em quadrinhos baseadas nos seus peixes, chamava “Defensores do mar” ou algo assim... Vitor ainda tinha guardado todas essas histórias, mesmo sabendo hoje que esses peixes eram de água doce e morreriam rapidamente se fossem colocados no mar. Ficou sabendo recentemente que a filha dera o aquário para um tio sob pressão da avó e Vitor realmente estava feliz em saber que alguém estava cuidando dele e ele ainda continha alguns peixes, mas ficou com raiva da ex-sogra por ter dado o aquário sem ele saber.

O terceiro aquário de Vitor e que ele conservava até hoje havia sido dado por Beatriz no seu aniversário de 29 anos, gostava de olhar para ele e lembrar-se dela, de lembrar-se do Ramireze que vinha até o seu dedo para que ele fizesse carinho, do Labeo Frenatus que aterrorizava os outros peixes como Jibóia fazia a muitos anos atrás, dos seus três Matos-Grossos que iam fazer dois anos em breve.

Três aquários, os três melhores presentes da vida de Vitor, todos dados em seu aniversário, todos dados por pessoas importantes e todos com suas próprias histórias.

Gustavo Campello

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PRESO NA TEIA DE ARANHA



Vitor estava bêbado, era aproximadamente uma hora da manhã, caminhava sozinho em uma avenida movimentada. Não havia mais ônibus na rua, ou ele não reparava nisso, sua casa estava longe, seria uma bela caminhada, um pé atrás do outro, pernas se contorcendo, mas nenhuma vontade de vomitar.

Sentiu a bexiga apertar, precisava mijar, os carros não paravam de passar e a avenida tinha um certo movimento ainda, alguns bares e restaurantes ainda estavam abertos. Andou mais uns dois quarteirões até que observou uma árvore bem grande na próxima esquina – “Vou mijar naquela árvore escondido do sentido que os carros vem – pensou Vitor indo em direção ao seu futuro banheiro.

Quando se aproximou sentiu que algo o parou no ar, seus pés já não encostavam o chão, pedaços da sua pele haviam sido dilacerados, ficou ali pendurado em algo que seu cérebro não conseguia entender o que era.

Imaginou-se como uma mosca em uma teia de aranha, aguardando o momento fatídico em que o predador aracnídeo iria enfiar-lhe o ferrão e devorar suas entranhas liquefeitas. Suas mãos doíam, suas pernas doíam e sua barriga também doía. Foi então que percebeu que estava preso em uma cerca de arame farpado, inclinou o seu corpo para trás e se viu livre, devia estar ridículo pendurado daquele jeito pros carros que passavam e olhavam para aquela cena. Desenroscou o agasalho e viu que tinha várias partes do corpo sangrando.

- Sua cerca filha da puta! – Vitor tirou o pinto pra fora e mijou na cerca mesma, foi então que sentiu falta do seu óculos e imaginou corretamente que ele havia caído para dentro da cerca, teve que se contorcer todo para passar para o outro lado da cerca e procurar sua fonte de visão apalpando o chão que agora estava todo mijado.

Encontrou seus óculos há uma distância considerável da cerca, o impacto entre eles devia ter sido grande, a sorte é que ele estava seco. Voltou para o outro lado e foi caminhando para a casa mancando e com algumas dores no corpo.

Agora ele sabia como uma mosca se sentia presa a uma teia. Chegou em casa, deitou-se na cama do jeito que estava e sonhou que combatia uma aranha gigante em um reino de teias digno do desenho Caverna do Dragão, iria matar aquela desgraçada peluda e conquistar o coração de Sheila trazendo-a para casa, ela seria sua cara metade, ele sabia disto desde que tinha seus cinco anos. Acordou e pensou – “Bem que podíamos deixar aquele irmão chato dela por lá!

Gustavo Campello

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

OBJETOS



O pente e a saboneteira que se encontram no banheiro de Vitor remontam momentos históricos de sua infância. A saboneteira provavelmente é mais velha que ele, o pente faltando algumas cerdas, azul, deve ser de quando tinha uns 10 anos. Ele é de plástico e não tem nada de especial, apenas seguiu junto com Vitor por tempo demais, assim como a colher bailarina, que é a única que mistura o seu leite, nenhuma outra colher tem esta tarefa – “seria uma heresia usar outra colher”- pensa Vitor.

Um óculos-escuro do seu avô fica guardado na gaveta, usou ele em uma festa a fantasia, mas sempre evita usá-lo por se tratar de uma raridade, ainda tem uma blusa de lã que também pertenceu ao velho. Em cima do seu computador fica uma caveira de gesso que comprou em Gramado-RS, seu nome é Zé Tobias, lembra-se daquela viagem com seus avós onde conheceu Silvana, tinha 13 anos e se apaixonou, quando voltou mandou flores, mas deve ter assustado a garota, nunca mais se viram.

Dois santos, uma Nossa Senhora das Graças e um São Francisco que foram dados pela sua avó quando saiu da casa dos seus pais ainda estavam ali, meio escondidos, mas ainda estavam ali.

Um CD de instalação do Windows 98 que seu primo Giorgio lhe deu quando este tinha acabado de ser lançado. Olhava pro disco e tentava se lembrar de mais algum objeto que tinha sido dado por seu primo, mas não conseguiu lembrar-se de mais nenhum. Resolveu que iria pedir o baixo dele para sua tia.

Espalhados por vários lugares haviam desenhos feitos por Bianca, rabiscos de quando ela tinha cinco anos, animaizinhos de quando ela tinha sete e casas e árvores de quando ela tinha nove. Pensou que tinha que colocar todos em uma pasta. Iria organizar aquilo.

Objetos espalhados por todo o minúsculo apartamento traziam recordações, cada um tinha uma história, cada um lhe lembrava de um momento, cada um lhe era mais importante que tudo. O aquário, o apito, o Sr Cabeça de Batata, camisetas, um barco a vela do Kinder Ovo, um óculos 3-D de papel, uma presilha de cabelo, uma caixa de lenço em formato de elefante, um pôster desenhado por George Pérez, uma sombrinha bem afeminada, um manati de pelúcia chamado Herman, tartarugas de porcelana, copos de Star Trek comprados no Burguer King e várias outras coisas.

Olhou para as garrafas de gin vazias em cima da geladeira e se perguntou porque guardava aquilo.

Gustavo Campello

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A FESTA DO BANHEIRO



Vitor estava cansado de trabalhar no clube, não porque o trabalho era chato, mas porque as pessoas eram chatas. Ele nunca se deu bem com pessoas, no fim das contas, mas parece que com a idade esta implicância vinha crescendo dentro dele.

Tentou pensar em algo chato em relação ao seu trabalho, tinha tempo de ler, não acontecia nada demais, escrevia e rascunhava coisas o dia inteiro, mas terça feira era diferente, Vitor odiava todas as terças feiras. Terça feira era o dia de o pessoal ir jogar vôlei.

A quadra enchia de bixinhas com seus gritinhos agudos, Vitor não tinha nenhum problemas com eles, uma vez deu briga entre duas bibas e Vitor teve que ficar plantado lá como segurança.

- Muito bem – ele disse estufando o peito – não quero mais ver bagunça aqui, vou ficar em cima de vocês.

- Ui! – gritou uma lá do fundo – ele vai ficar em cima da gente. Eu primeiro! Eu primeiro!

Vitor levou na brincadeira, havia morado um bom tempo ao lado de um vizinho travesti que acabou virando um amigo. A parte ruim do seu trabalho de terça feira era depois do jogo de vôlei e não era na quadra, mas sim no vestiário, onde acontecia a famosa Festa do Banheiro da Terça Feira.

Homens comendo homens, homens masturbando homens, homens chupando homens, homens beijando homens, homens em cima de homens, homens embaixo de homens, homens enfiando coisas em homens, homens amando homens, homens batendo em homens. Enfim... Era um pandemônio!

O trabalho de Vitor na terça feira consistia em impedir que homens comessem homens, homens masturbassem homens, homens chupassem homens, homens beijassem homens, homens ficassem em cima de homens, homens ficassem embaixo de homens, homens enfiassem coisas em homens, homens amassem homens, homens batessem em homens. Enfim... que os homens fizessem qualquer coisa com outros homens.

“Isto é um saco” – pensava ele – “eles que se fodam, literalmente, eles que façam a suruba que eles quiserem, eu não tenho nada com isso, não sou pago nem pra ficar interrompendo essas merdas, nem pra ficar vendo essas merdas”.

Então Vitor deixava os homens comendo homens, homens masturbando homens, homens chupando homens, homens beijando homens, homens em cima de homens, homens embaixo de homens, homens enfiando coisas em homens, homens amando homens, homens batendo em homens. Enfim... Era a famosa Festa do Banheiro da Terça Feira.

Era só aparecer no clube de terça feira, estar no banheiro masculino a partir das 21:30 e ser homem e pronto, você estava convidado. No fim você nem precisava jogar vôlei.

Gustavo Campello

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O EXAME



Vitor estava sentindo uma dor horrível onde supostamente ficava o seu fígado, ele sempre achou que o fígado ficava em outro lugar, mas aparentemente estava enganado. Foi até uma consulta médica, dificilmente ele entrava num desses consultórios, odiava essas coisas, mas não conseguia mais nem dormir a noite de tanta dor que não teve jeito.

Depois de uma conversa com o médico e alguns exames poderia ser duas coisas, algum problema no tórax ou cirrose mesmo. Vitor não achava que bebia tanto assim, a maioria das pessoas que morriam de cirrose bebiam mais que ele e passaram dos cinqüenta anos. O médico pediu uma ultrasonografia, ele teve que ficar seis horas bebendo água sem ir ao banheiro para fazer esse exame.

Uma médica bonitona pediu para ele entrar, o fez deitar em uma maca, abriu o seu cinto, desabotoou sua calça e Vitor pensou que era o seu dia de sorte, porém um médico meio afeminado entrou na sala e a médica que devia ser uma enfermeira foi-se embora. O médico passou um gel na sua barriga e colocou um aparelho pra ver as coisas, passou por todo o corpo e pedia pra ele respirar e segurar o ar, Vitor só pensava em sair dali e beber uma cerveja.

- Pode se levantar – disse o médico.

- E então? – perguntou Vitor tirando um sarro – é menino ou menina?

O médico parecia não ter senso de humor.

- O resultado do exame fica pronto na semana que vem – disse o médico que devia estar cansado dessa piada – só posso adiantar que você tem uma pedra no rim, mas ela não está se mexendo, por isso não está doendo.

- COMO É QUE É?

- Uma pedr...

- Eu ouvi da primeira vez – Vitor estava puto, era por isso que evitava ir ao médico – escuta aqui, eu vim ver meu fígado, você não tinha nada que xeretar na porra do meu rim!

- Bem...

- Agora qualquer coisinha vou ficar pensando nessa merda de pedra, se sentir uma dor porque caí de bunda no chão enquanto estava bêbado vou acordar no dia seguinte pensando que é a merda da pedra e é tudo culpa sua que fica xeretando no rim dos outros seu enxerido filho da puta!

Por fim Vitor foi retirado de lá pelo segurança e foi beber uma cerveja, daí sentiu a dor no fígado e resolveu nem ir buscar os exames, vai que o negócio era sério.

Gustavo Campello

domingo, 18 de setembro de 2011

UMA CRÔNICA COM AÇÃO ELETRIZANTE



Vitor foi conversar com um editor que estava analisando suas crônicas para uma possível publicação.

- Bem, as crônicas são interessantes – a sobrancelha dele se levantou e Vitor ficou esperando pelo “mas...” – mas me parece que elas são todas meio iguais.

- Iguais?

- Isso, o personagem sempre bebe alguma coisa, fica bêbado e faz alguma merda se lamuriando.

- Talvez porque ele seja um alcoólatra depressivo – disse Vitor defendendo sua obra.

- Certo, certo... Mas talvez se tivesse alguma coisa mais eletrizante, mais empolgante...

“Quem diabos é esse cara?” – pensou Vitor – “mais eletrizante? O que diabos ele acha que eu escrevo? Roteiro pra Hollywood?”

- Olha cara – Vitor estava juntando os seus papéis já – eu escrevo sobre a vida real, as vezes ela é um porre, mas é assim que é.

- Bem, não precisa ir saindo, talvez possamos...

- Escuta aqui – Vitor já estava irritado, precisava tomar um trago e o sujeito tinha conquistado sua antipatia – quando eu tiver algo mais “eletrizante” eu procuro você.

- Certo, certo...

Vitor saiu pela porta a procura do primeiro bar que aparecesse na sua frente. Ele gostava do que escrevia, as pessoas pareciam gostar também, ou fingiam muito bem. Não ligava se ele era um grande clichê da literatura, não ligava se não conseguia escrever nada “eletrizante”, não ligava se ninguém fosse publicar sua obra. O importante era continuar escrevendo, não sabia também porque isso era importante, mas era a única coisa que fazia sentido na sua vida. Se ele não pudesse escrever, então preferia estar morto, sua vida não valeria mais nada.

Pensou que gostava muito de escrever alguns contos de ficção científica, mas até esses não tinham nenhum tipo de ação eletrizante, eram parados como se você estivesse assistindo Stalker ou Solaris, o importante era a mensagem e não personagens atirando um no outro.

Sentou-se no bar.

- O que vai ser? – perguntou o cara do balcão.

- Ah, que se foda o clichê – falou ele – vê uma cerveja!

Então quatro sujeitos entraram no bar e renderam todo mundo com armas em mãos – Quero a carteira de todo mundo – disse um deles.

- Estamos num boteco – disse Vitor – isto não vai funcionar...

Gustavo Campello

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

UMA MADRUGADA QUALQUER



- Escrever é bem foda, me destrói as vezes – Vitor disse para si mesmo.

Era três e meia da manhã, Vitor estava escrevendo dois contos, um sobre as baleias no mercado de trabalho e outro sobre ódio, fora o livro que precisava se manter bêbado pra escrever. Entrou no Facebook e viu que sua filha estava on-line.

- O que diabos você está fazendo acordada a esta hora, Bianca? – escreveu ele nervoso.

- Dormi da uma até as seis e meia da tarde – respondeu ela.

Que tipo de autoridade tinha sobre ela? Parecia-se cada vez mais com ele, iria trocar os dias pela noite também? Lembrou-se de quando tinha a sua idade e dormia bem tarde também, nas noites de frio, com dó do seu cachorro, ficava acordado pra ele poder ficar aquecido dentro de casa, quando amanhecia colocava-o para fora e ia dormir.

- Mas se continuar acordada não vai conseguir prestar atenção na aula amanhã – foi incisivo, tentou manter uma postura de pai.

- Amanhã não tenho prova – disse ela – hoje fiz a de matemática e acho que consegui tirar mais que dois.

E agora? Ele devia dizer parabéns ou dizer que ela precisava estudar mais? Na ultima vez que há viu ela havia tirado meio em matemática, tinha dificuldade nesta disciplina, assim como ele havia tido ao longo dos anos escolares.

- Parabéns – resolveu dizer ele – Vamos ver se consegue tirar cinco até o final do ano.

Vitor abriu mais uma garrafa de cerveja e conversou com seu amigo Adamastor pela internet também.

Nada do que estava escrevendo ia para frente. Sua filha resolveu ir tentar dormir e Adamastor deve ter ido bater uma olhando fotos de alguma amiga de infância que tinha adicionado no Facebook recentemente. Sentiu-se sozinho.

Tinha acabado de assistir Glória Feita de Sangue do Kubrick e estava empacado no meio do livro E o Sol Também se Levanta do Hemingway. Estava sendo uma madrugada estranha. Não queria ir trabalhar no clube amanhã. Resolveu ir até o pronto socorro e inventar uma caganeira para pegar um atestado médico.

A cerveja havia acabado.

- Droga!

Não havia nenhum lugar aberto para se comprar cerveja por ali. Ficou olhando o aquário, pensou em quem não devia, seu coração se apertou e tomou um gole de vodka. Lembrou-se que havia duas calças jeans na maquina de lavar úmidas.

“Que apodreçam lá dentro” – pensou.

John Wayne havia lhe dito "Tente não se culpar, pode acontecer com todos os homens. Bons ou maus. A mulher lança um arpão em você e você vai aonde ela o puxa." quando ele assistiu A Lenda dos Desaparecidos. Tentava se ater a este sentimento, tentava parar de sentir culpa.

Fumou um cigarro, bebeu um gin, olhou a Poderosa em uma revista antiga da Liga da Justiça Europa, bateu uma, deitou no chão e dormiu.

Gustavo Campello

terça-feira, 23 de agosto de 2011

GRIPE, SOPA E UM CONTO INVEROSSÍMIL



-Ta lendo o que? – perguntou Marciolo querendo puxar papo.

- Um conto – responde Vitor lendo.

- É bom?

- Um pouco inverossímil.

- Porque?

- Bem, tem esse cara que trava o diálogo com uma empregada no começo do conto.

- E daí?

- Bem, agora eu to no meio do conto e descobri que a história se passa num domingo... Que porra de empregada é essa que vai trabalhar de domingo? Ou essa mulher vive num regime escravista ou deve ganhar muito bem.

- As vezes o patrão come ela, eles tem algum rolo.

- Não, ele é casado e a empregada fode o porteiro do prédio da frente.

- É – concorda – realmente inverossímil.

Vitor está gripado, não para de tossir e de assuar o nariz, esta de cama e seu companheiro Marciolo é o único que lhe faz companhia.

- Tomou todos os remédios que eu separei pra você? – diz o hipocondríaco Marciolo, seu assunto preferido é sempre remédios.

- Que remédio?

- Deixei na sua cama um Predsim, pastilhas Amidalin e um xarope Percof do lado da sua televisão. O Resfenol está no bolso do seu casaco.

- A pastilha já acabou – disse Vitor tossindo – não agüento mais esse coquetel de remédios.

- Você tem que se alimentar direito – diz Marciolo reprovando os hábitos alimentares de Vitor que estão cada vez mais restritos em salgadinhos e cerveja.

O assunto lembrou Vitor de que estava com fome, era duas da manhã e seu estomago roncava, não havia bebido nada por causa da gripe e conseqüentemente não havia comido salgadinhos. Levantou-se e foi fazer uma sopa, colocou cenoura, mandioquinha e bastante abóbora cabotiã. A sopa demorou uns trinta minutos para ficar pronta, olhou e se deliciou com o cheiro que levantava da panela, a abóbora havia se desmanchado dando mais sustância ao caldo e a cenoura e a mandioquinha boiavam suculentas naquele laranja. Colocou um pouco em um prato, colocou queijo ralado e pimenta, misturou e quando foi dar a primeira bocada acabou queimando a língua. O resto da sopa foi tomada sem Vitor sentir nenhum gosto, agora amaldiçoava sua gripe e sua língua queimada.

Gustavo Campello

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

GUEVARA X BUSH



Vitor morava ao lado da sede do PC do B, logo, várias pessoas que freqüentavam (é, eu ainda uso trema) o local moravam no seu prédio. Parece que aquela moda de camisetas do Che Guevara nunca ia passar, tinha sempre algum mané com ele na camiseta. Tinha camiseta de tudo que é jeito, vermelhas clássicas, brancas, com as cores da Jamaica, com frases dele, estilizadas, aquele puto estava em todo lugar. Não agüentava mais cruzar com aquelas camisetas.

Pra Vitor esse cara não passava de um carniceiro que tinha sede de poder, deixar o país naquela merda que ficou Cuba qualquer um conseguiria. Não conseguia entender porque endeusavam tanto esse cara. Preferia muito mais o Lênin, se fosse pra estampar algum comunista em alguma camiseta Vitor escolheria o Lênin com certeza.

Vitor queria fazer um protesto e resolveu fazer uma camiseta de algum carniceiro também. Lógico que Hitler e Milošević estavam fora do páreo, pois carniceiros étnicos estavam entre os mais odiados por Vitor. Pensou em Charles Manson, mas achou muito óbvio.

Então como uma luz veio a idéia, o carniceiro mais contemporâneo possível, o melhor dos melhores. Vitor fez uma camiseta com o George W. Bush.

Sempre que pegava o elevador com algum cara do PC do B com aquela camiseta do Che, estufava o peito e mostrava seu Bush sorridente com as cores americanas ao fundo, o sujeito ficava vermelho, se contorcia de ódio e saia bufando do elevador, Vitor ria.

Algumas vezes achou que teria que sair no braço com alguém, mas nunca aconteceu. Quando teve uma discussão um pouco mais alterada o sujeito arregou depois de Vitor cuspir no meio da testa do Guevara.

Na rua ninguém entendia direito aquela camiseta, tinha um pessoal que dava risada e tinha um pessoal que ficava sério. Vitor achava de uma tremenda idiotice quem levava a sério aquela camiseta.

Lembrou de uma vez em que passou em uma greve de professores e parou para ouvir o cara ao microfone, era realmente um cara que sabia falar, todo mundo prestava atenção, protestava, gritava, de repente mudou de assunto e começou a falar da vida de Che Guevara. Perdeu o fio da meada, todo mundo nem prestava mais atenção nele.

- MAS QUE MERDA! – Vitor gritou e foi embora pensando que seria uma excelente oportunidade para estar com sua camiseta do Bush.

“Em uma luta entre os dois quem ganharia?” – pensava Vitor – “Já imagino o Guevara todo sujo saindo do mato com aquela escopeta e o Bush num cavalo, chapéu e uma Smith & Wesson no coldre. Seria um duelo interessante.”

Queria mais é que os dois se fodessem!

Gustavo Campello

terça-feira, 9 de agosto de 2011

INGLATERRA EM CHAMAS



O cara da TV diz: “Mais vandalismos marcam o dia na Inglaterra”.

- Yeah!

- Está louco? – diz o pai de Vitor – Acha isto bonito?

- Acho! – diz ele – as mudanças tem que acontecer de alguma forma.

- Eles estão destruindo patrimônio privado!

- Eles estão começando por algum lugar!

- Você está louco!

- Você está pensando exatamente como a mídia quer que você pense.

- Do que você está falando?

- Toda grande mudança no mundo começou com uma onda de violência, desde a extinção dos cro-magnons pelos homo-sapiens. Está na hora do capitalismo cair.

- Você acha que este bando de delinqüentes incendiando lojas é o caminho?

- Isto é só o começo! – Vitor percebeu que seu pai não iria aceitar sua maneira de pensar, mas continuou a pensar mesmo assim – quando o capitalismo cair, provavelmente ninguém vai se lembrar deste bando de delinqüentes que começaram isto, ninguém vai lembrar exatamente como tudo começou, mas se até o império romano ou Alexandria caiu, bem... é muito óbvio que o capitalismo também vai e na minha opinião isto não vai demorar pra acontecer.

- E o que você sugere que estes caras que estão botando fogo em tudo façam?

- Que comecem a queimar bancos, as instituições financeiras são os grandes vírus que nos consomem diariamente. Quando estes banqueiros caírem, estaremos livres.

- Estaremos falidos!

Seu pai não conseguia ver o futuro que Vitor vislumbrava. E daí que os países de terceiro mundo fossem passar fome? E daí que fosse preciso que milhões morressem com a mudança? E daí que houvesse sofrimento? Tudo isto já existia, alguma coisa precisava mudar exatamente pra que essas coisas parassem.

Vitor apoiava a subversão. Vitor apoiava o fogo que queimava bem lentamente o tipo de mundo em que ele vivia e coexistia com seres que ele desprezava que não davam a mínima para o que acontecia a sua volta. Vitor queria que o mundo todo pegasse fogo com todas as pessoas que ouviam e acreditavam no que a mídia dizia. Ele realmente queria que a Inglaterra fosse para o inferno e que ela fosse só a primeira.

Gustavo Campello

sábado, 6 de agosto de 2011

UM ANO!

O BLOG JÁ FEZ UM ANO E EU NEM PERCEBI!

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O ÚLTIMO SALTO DO PEIXE SUICIDA



No aquário de Vitor havia três neons negros, mas um era diferente dos outros dois.

- Cansado desta vida – dizia ele – não agüento mais.

Os outros dois nem davam bola, já haviam se habituado as reclamações dele e sem saberem acabavam deixando-o mais deprimido, sentindo-se sem amigos, sem ninguém para poder contar as coisas, completamente sozinho.

Um dia o pobre peixe pulou do aquário para encontrar a morte, porém Vitor viu e rapidamente o devolveu a água. Os outros dois peixes perceberam que a situação era pior do que imaginavam, mas daquele dia em diante o peixe nunca mais ficou deprimido, achou o que faltava na sua vida, seu objetivo, seu destino, virou um peixe saltador. Amava saltar, mais do que qualquer outra coisa, sabia que era um esporte de risco, mas a adrenalina é o que contava. Pulava para cima, pulava para os lados e às vezes acabava caindo fora do aquário, mas sempre contava com Vitor para devolvê-lo em tempo de sobreviver. Uma vez o pobre peixe teve que esperar Vitor tomar um banho inteiro até ser resgatado.

Um dia ele se preparou para quebrar todas as barreiras do impossível, bater o seu maior Record. Pulou do aquário com toda a velocidade que conseguiu obter, caiu perto da cadeira de balanço atingindo a incrível marca de um metro e três centímetros de distância. Seus outros amigos neons negros, os matogrossos e os neons normais que viviam no aquário deram aplausos, se agitaram e homenagearam o amigo com uma tremenda festa quando ele voltou arfando para o aquário pelas mãos de Vitor. Havia se estatelado, mas logo estaria pronto para mais saltos.

Vitor não sabia mais o que fazer com aquele peixe, pensou em tampar o aquário, mas sorte que não o fez para desespero do peixinho.

Uma noite ele estava pulando de um lado para o outro do aquário para treinar quem sabe uma nova marca, mas um descuido de calculo acabou fazendo com que ele caísse atrás do aquário, Vitor já estava dormindo, o peixe sabia que aquele seria o seu ultimo salto, deu o seu último suspiro e se alegrou com a lembrança de cada uma das vezes que saiu da água indo ao encontro a velocidade.

No dia seguinte Vitor sentiu falta de um peixe, olhou atrás do aquário e encontrou seu peixe seco e com um sorriso imperceptível.

Gustavo Campello

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O SIAMÊS



Vitor olhou para o lado e viu que havia uma outra cabeça igual a sua grudada em seu corpo do lado esquerdo, podia movimentar apenas o braço direito e deduziu rapidamente que a outra cabeça podia controlar o “seu” braço esquerdo.

Um sentimento de nojo do próprio corpo deformado e um desespero de estar grudado a outra pessoa tomou conta de Vitor, ficou horrorizado com o que estava acontecendo com ele. Tentou dar um murro na outra cabeça que parecia também estar horrorizada com a situação.

Recebeu um tapa na cara da outra cabeça.

- Pare de tentar me socar – ela disse para Vitor – eu não gosto desta situação tanto quanto você.

Vitor foi arrastando sua perna direita, a única que controlava agora, até a geladeira e pegou uma cerveja com sua mão direita. Rapidamente a mão esquerda foi pegar outra latinha e levou uma pancada.

- Esta cerveja é minha seu filho da puta!

- Sua o caralho, eu comprei também!

Vitor apoiou a latinha na pia e abriu apenas com uma mão, deu um gole e começou a pensar o que diabos poderia estar acontecendo. Nada daquilo fazia sentido, sentia medo, um arrepio percorria toda a sua espinha que agora bifurcava em dois pescoços.

A mão esquerda roubou sua latinha e a outra cabeça deu uma golada. Aquilo foi a gota d’água para ele. Deu um soco na outra cabeça e recebeu outro em troca, começaram uma briga sem precedentes, uma cabeça começou a empurrar a outra cada vez com mais força, cada vez com mais raiva, seu corpo começou a rasgar em dois, a coluna vertebral começou a se dividir cada vez mais, órgãos começaram a cair no chão e o desespero e o nojo eram cada vez maiores. Vitor sentia vontade de chorar, de gritar e de morrer rápido. Sentir a dor dos órgãos e a viscosidade do sangue eram demais para ele.

Vitor acordou na sua cama depois de ter o pior pesadelo de sua vida, um suor gelado escorria por todo o seu corpo, tinha dormido pouco, mas achou melhor ficar no computador acordado, estava com medo de voltar a dormir.

Gustavo Campello

quinta-feira, 21 de julho de 2011

PRESENTE



Vitor saiu do trabalho mais cedo e foi pra São José do Rio Pardo visitar sua filha. A viagem era de três horas e o ônibus ainda fazia uma parada no meio do caminho pras pessoas poderem ir ao banheiro. Fazia quatro anos que ele não viajava até lá, era sempre ela que vinha para sua cidade. Seus pensamentos ficaram presos ao passado, de sua pseudo-vida em família que parecia funcionar muito bem para ele. Lembrou-se de quando ela era apenas uma garotinha e não uma adolescente beirando aos quatorze anos.

Lembrou-se de como o caminho era bonito de dia, mas agora a noite não dava para enxergar nada da paisagem. Sentiu-se melancólico.

Chegando à cidade Vitor errou o ponto e desceu no posto de gasolina errado, foi andando cerca de um quilometro e meio até o posto que devia ter descido, no caminho foi sentindo o ar da cidade, era um ar limpo, com cheiro de mato e lá no fundo podia sentir um esterco de vaca que dava um aroma delicioso a cada respirada, encheu os peitos e foi andando com as forças renovadas. Ele achou que ia se sentir estranho chegando à cidade, mas não foi ruim como imaginava, recordações passavam a mil pelo seu cérebro, mas podia lidar com elas.

Chegando ao posto encontrou Bianca, sua princesa, esperando por ele. Estava sempre maior do que da ultima vez.

- E sua mãe? – perguntou ele.

- Vai trabalhar até tarde de madrugada.

Elize trabalhava que nem uma louca na única grande empresa da cidade, ganhava um dinheirão, por isso Vitor não tinha que se preocupar em mandar pensão, na verdade era ele que precisava de uma. Chegando à casa nova onde elas moravam viu um porta-retrato onde tinha uma foto dele com a filha, seus olhos lacrimejaram e pensou que talvez tivessem colocado a foto ali porque sabiam que ele vinha. Depois quando ela não estava olhando percebeu que o porta-retrato continha bastante pó, portando sua foto deveria ficar ali mesmo.

No quarto dela, continha algumas lembranças do passado, todos os presentes que ele havia comprado ainda deviam estar ali, mas em destaque, em uma caixa cor de rosa, havia os mais de quarenta gibis que Vitor escrevia e desenhava para ela quando ainda era uma criança, onde contava as aventuras da Senhorita Cor de Rosa, uma super heroína que nada mais era que o alter ego de sua filha que lutava com uma pizza monstro, um mandruvá gigante e um vampiro idiota. Leu todos os números e se surpreendeu de como ainda os achava engraçados.

- Não sabia que ainda guardava isso – disse ele sobre os gibis.

- São top!

Agora era assim, cheia de gírias. “Que top!” significava que o negócio era legal demais, “Que paia!” significava que o negócio era chato demais.

Passou a noite inteira ensinando matemática para ela, mas percebeu que muita coisa nem ele conseguia fazer, não se lembrava ou nunca tinha aprendido mesmo. Fazia economia na faculdade, mas nem sequer tinha noção de algumas coisas básicas.

Ela foi dormir e Elize chegou tarde, ficaram conversando até tarde da noite sobre os velhos tempos como velhos amigos. Sentiu-se bem e dormiu em uma cama que era menor do que a metade da sua. No dia seguinte tentou acordar Bianca de qualquer jeito, Elize já havia saído para trabalhar, fingiu que a casa estava pegando fogo, jogou o cachorro para lamber sua cara, tirou-lhe as cobertas, mas a menina nem se mexia, tinha um sono de pedra.

Almoçaram juntos, se despediram e Vitor voltou para sua vidinha naquele mesmo dia.

Gustavo Campello

domingo, 10 de julho de 2011

AUSENTE



Vitor tomou coragem e ligou para sua filha.

- E aí Princesa?

- Oi pai!

- E aí? Como andam as coisas?

- Porque você some?

Não era bem um esporro, mas ele se sentiu péssimo por ter sumido de novo.

- Trabalhando muito – era a desculpa esfarrapada dele.

- Certo – disse a menina fingindo que acreditava.

Vitor queria dizer o quanto sentia muito, o quanto a vida não havia saído como ele planejara e que ela não tinha culpa nenhuma disso. Tentava manter-se distante porque achava que era melhor para a menina, pensava que não tinha como fazer bem nenhum para a menina por causa da vida que levava. Um bêbado depressivo é como Vitor se define para ele mesmo, mas a questão é... Ele levaria esta vida se estivesse mais próximo dela? Ele se definiria assim com ela por perto? O problema de Vitor é achar que faz mal para as pessoas que vivem perto dele, não liga de ficar mal vivendo longe delas, acha que é melhor assim.

- Quando você vai vir me visitar? – pergunta a menina que mora em uma cidade distante – você ainda não conhece minha casa nova.

- Prometo que vou mês que vem – diz Vitor pensando no dinheiro escasso que não dá nem pra viajar.

Com a promessa o ânimo da menina já muda, ele percebe que ela fica mais feliz, porque ela sabe que quando o pai promete alguma coisa, ele cumpre.

Vitor lembra que ainda não deu um presente de aniversário para ela e vai ter que providenciar, mais uma grana que vai ter que achar em algum lugar, apesar de que o mais difícil vai ser comprar um presente em si.

- Avise a sua mãe que eu vou praí então!

- Pode deixar, ela perguntou de você ontem.

- E o que você disse?

- Que você tinha sumido de novo!

- Sinto muito Princesa, a vida não saiu como eu planejei e você não tem culpa nenhuma disso.

Ele se sentia mais leve, seus olhos se encheram de lágrimas e antes dos créditos da ligação acabar conseguiu ouvir ela dizer:

- Pai, eu te...

Gustavo Campello

domingo, 3 de julho de 2011

A PÁGINA EM BRANCO



Será que toda página em branco incomoda os escritores como incomoda a mim?

Posso ficar horas em frente a uma delas, encarando-a e me sentindo incomodado, querendo preenche-la. É um problema quando nada vem à mente, nem uma idéia sequer. Quero escrever, algo interessante, algo que venha do meu íntimo, mas só vem rabiscos, desenhos e coisas sem sentido.

Coço a barba, tomo meu Gin Tônica e quero preenche-la com qualquer coisa, não importa se seja boa como Joyce ou ruim como Cury. Só quero vê-la preenchida. Divagar sobre coisas corriqueiras ou imaginar o futuro da humanidade, me embrenhar em terrenos nunca antes desbravados ou qualquer outra merda que venha a cabeça.

Mas a página continua em branco.

Nenhuma idéia passa pela minha cabeça, me sinto anestesiado pela bebida, o que é estranho já que a bebida sempre costuma a ser o fruto das minhas idéias.

Começo a pensar se existiu algum escritor famoso nascido em minha cidade, muitos diriam que estou ficando senil. Como pude esquecer-me de Hilda Hilst? Mas sinto informar, Hilda Hilst nasceu em Jaú como muitos desconhecem.

Quem sabe não sou eu o escolhido?

Como um pedaço de frango pra tentar tirar o efeito do álcool do meu sangue, mas é tudo em vão, os remédios e as bebidas se misturaram já há muito tempo no meu organismo, no meu sangue, no meu cérebro, no meu metabolismo. Tudo roda a minha volta, vejo ninfas dançando um sapateado irlandês em cima e dentro do meu aquário. Leprechauns invadem o apartamento e logo estupram as ninfas com o som do The Pogues tocando ao fundo. As pobrezinhas ficam lá arfando depois que eles se vão.

Dou risada, a página ficou quase toda cheia no final das contas. Me sirvo de mais um pouco de bebida e vou assistir a alguma putaria em DVD.

Vitor Scaglia