sábado, 30 de outubro de 2010

O TRABALHO



Vitor estava finalmente trabalhando, depois de um pouco mais de um ano torrando o pouco dinheiro que tinha em bebidas e macarrão em todas as refeições (as vezes sem molho) ele finalmente estava tirando o pé da lama. Trabalhava em um clube, desses com piscinas e pessoas saradas praticando esportes. Ficava andando pra lá e pra cá com um rádio olhando as gostosas de biquínis e umas gordas horrendas usando os mesmos trajes, com a diferença de que nessas ultimas os biquínis minúsculos entravam nos enormes traseiros cheios de furos de uma maneira nada sexy.

- Tio, chuta a bola pra cá – diziam uns garotos jogando bola em uma das quadras. Vitor nunca jogara futebol e devia fazer uns vinte anos que não chutava uma bola, olhou para o objeto enquanto os garotos pediam que desse um chute. – Tio filho da puta! – gritavam os mesmos garotos quando Vitor chutou a bola e ela foi pra outra direção, foi então que percebeu que definitivamente não sabia como chutar bolas.

Todos já o conheciam por ali, era “O Escritor”, então mesmo não sendo bombado com camiseta justa chamava certa atenção, afinal de contas ninguém precisava saber que havia publicado uns contos em algumas antologias e quase não havia tido retorno nenhum sobre eles. Não era um fracasso, longe disso, só que estava bem longe de ser um sucesso também.

O pior de tudo de trabalhar era ficar sem tomar uma cerveja, às vezes a boca ficava seca, um suor escorria pela sua testa e a única coisa que ele pensava era “Cerveja, cerveja, cerveja, mulher gostosa de biquíni ali na frente, cerveja, cerveja e cerveja”. Pensavam que era um bom moço, mas no fundo era só mais um bêbado fingindo trabalhar.

O lugar pagava bem, estava almoçando carne de novo, mas em compensação andava o dia inteiro pelo clube fazendo rondas e mantendo a ordem. Gostava do seu emprego. Quando alguém estava fazendo alguma bagunça podia falar “Hey, você! É.... Você mesmo moleque! Não pode fazer isto aqui no clube não, cai fora daqui se não te encho de porrada!” e o moleque sai correndo reconhecendo uma verdadeira autoridade.

- Sol filho da puta – dizia ele em voz alta enquanto andava, quando algum cliente olhava pra ele fingindo surpresa ao ouvir tais palavras ele repetia olhando pro sujeito – Sol filho da puta!

Agora Vitor acorda todo dia abrindo a janela esperando um tempo chuvoso, porque nesses dias o clube fica vazio e ele pode ficar parado em um posto jogando Campo Minado no computador.

Mas ele gosta do seu trabalho, gosta de xingar os garotos, gosta de secar as mulheres e gosta do salário que paga a cerveja no final do expediente.

É... Vitor se deu bem.

Gustavo Campello

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

UMA CRÔNICA SOBRE OUTRO ASSUNTO



Vitor tinha começado a trabalhar, todos os seus amigos esperavam que ele publicasse sobre isto em seu blog, mas queria escrever algo original que não tivesse nada haver com o seu trabalho.

Sentou-se na frente do seu computador e pensou sobre que diabos iria escrever, bebeu água em sua caneca laranja, é, aquela caneca que ele ganhou no primeiro dia de trabalho e sua mente se fechou novamente sobre o que escrever.

Levantou-se, olhou pela janela e pensou “Tomara que chova amanhã!”, pensava isso para que tivesse que trabalhar menos amanhã e logo percebeu que estava pensando de novo sobre o trabalho.

- Não quero escrever sobre o trabalho! – disse ele em voz alta tentando afastar os pensamentos – quero escrever algo original, que meus amigos não estejam esperando ver no blog.

Mas nem o monólogo adiantou, a verdade é que não tinha assunto nenhum para escrever, só sobrou falar sobre o trabalho novo, mas ele se recusava.

Abriu a geladeira à procura de algo podre, mas ela estava vazia, ainda não tinha recebido nenhum tostão para repor algo na geladeira. Cheirou e nem sequer um leite estragado havia por lá.

Ligou o som e Raul dizia:

Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...

Lembrou-se que essa música falava da folga de um sujeito do trabalho. Ficou puto.

Sentou-se de novo na frente do computador, estava desolado, pensando em alguma idéia, escreveu um conto mixuruca que contava sobre uma marmita voadora que se espatifou no seu pé quando estava indo comprar uma Neosaldina para Beatriz e ficou por isto mesmo. Desligou o computador e foi assistir a um filme.

Gustavo Campello

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

BANCÁRIOS EM GREVE



Vítor tinha conseguido um emprego novo.

- Você precisa de uma conta corrente pra ser contratado – disse a mulher do RH.

Ele foi abrir a conta, todo feliz, parou na frente do banco e leu a placa vermelha que dizia “BANCÁRIOS EM GREVE”.

- Filhos da puta!

Voltou pra casa frustrado, pensando que de tantos dias pros bancários entrarem em greve, tinha que ser justo quando ele precisava abrir uma conta.

- Os bancos tão em greve – disse Vitor pra mulher do RH.

- Você precisa de uma conta corrente pra ser contratado – disse a mulher do RH.

“Que porra de mulher é essa?” – pensou Vitor – “Uma andróide? Uma gravação? Mas que porra!”

Voltou no banco, bateu na porta e disse – Preciso abrir uma conta! – a mulher que estava lá dentro o mandou ir se ferrar mostrando o dedo.

- Filha da puta! – disse Vitor desistindo de abrir uma conta, foi beber pra esquecer toda essa merda.

No dia seguinte os bancos continuavam em greve e por mais quinze dias foi assim, sendo que no décimo ele foi até um banco e ficou sentado com uma faixa que dizia:

SE VOCÊ É BANCÁRIO E ESTÁ EM GREVE
VÁ SE FODER!

Quando os bancos voltaram de greve no décimo sexto dia ele foi todo feliz abrir a porra da conta, estava com todos os documentos, a gerente olhou pra ele e disse:

- Volte na semana que vem, estamos com muito serviço por causa da greve e não temos tempo pra abrir conta.

- Filha da puta!

- Segurança!

E foi assim que Vitor começou uma peregrinação de banco em banco e todo mundo dizia a mesma coisa, tinham muito serviço e chamavam o segurança.

Teve um banco em especifico que não quis abrir porque ele tinha o nome sujo.

- Porra – disse ele – lógico que eu tenho o nome sujo, não posso trabalhar pra pagar as contas sem essa merda de conta corrente! – quando na verdade tinha o nome sujo porque não pagou um empréstimo que ia caducar daqui dois anos. Não tinha a menor intenção de pagá-lo.

Vitor foi até um banco lá na casa do caralho, longe por bosta e disse que queria abrir uma conta.

- Podemos abrir agora – disse a menina prestativa.

- Sério?

- Lógico, é o meu trabalho.

- Você não vai me enxotar?

- Porque faria isso?

- Porque está com muito serviço por causa da greve.

- Não se preocupe – disse ela sorrindo – nossa agencia não entrou em greve.

- Filha da puta – disse Vitor bem baixinho pra não ser ouvido e pensando que já podia ter começado a trabalhar há quinze dias se tivesse ido até lá.

Gustavo Campello

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

BOAS NOTÍCIAS



Vitor tinha uma novidade para contar.

Pensou pra quem poderia contar. Beatriz estava dando aula, Mario e Larissa tinham ido viajar, Marcel estava morando em outro estado, Enzo devia estar cuidando dos cinco filhos neste momento, Carla morava longe, Helio tinha desaparecido já fazia algum tempo e Jorge devia estar trabalhando que nem um louco.

- Alô? – disse Vitor depois de ligar para Jorge – que está fazendo?

- Nada – disse ele – quer ir tomar umas?

Aquilo era quase como um filme de terror, como assim Jorge não estava fazendo nada? Ele sempre foi o Workaholic do grupo, será que estava sonhando? Vivendo em outra dimensão? Era uma noite de quarta feira e Jorge tinha proposto de ir beber umas? Imagens de cenas do seriado Além da Imaginação bombardearam seu cérebro deixando-o transtornado.

- Beleza – disse Vitor estranhando e se beliscando pra ter certeza que era real – to saindo daqui.

Combinaram o bar, Vitor chegou depois porque não tinha carro.

- Tenho uma novidade – disse Vitor feliz.

- Eu também – disse Jorge sorrindo, ele só podia ter ganhado um dinheirão na loteria, era isso, estava milionário.

- Vou começar a trabalhar – disse Vitor se adiantando à notícia – começo semana que vem.

- Eu pedi demissão – falou Jorge virando um copo de cerveja. Não estava milionário.

Era a primeira vez que Jorge ia ficar sem trabalhar, Vitor achou estranha a notícia e se beliscou de novo, ainda mais porque ele mesmo iria começar a trabalhar depois de um ano de férias.

Jorge estava de saco cheio de fazer tanta hora extra e ganhar sempre a mesma merda de salário, tinha ido até a sala do chefe e gritado “EU ME DEMITO!”. O Chefe ficou atônito, afinal Jorge sempre fora calmo e competente no trabalho, tentou argumentar para Jorge reconsiderar, mas nenhuma palavra conseguiu sair de sua boca com o choque, ao invés disso deu uma viradinha e deixou um peido escapar fazendo um barulho curto e grave.

- Essa foi a única reação do cara? – perguntou Vitor incrédulo com o relato – um Peido?

- Pois é, anos de trabalho e a argumentação dele foi um peido, sem contar as contorções no rosto – Jorge parecia aliviado e descontraído como há muito tempo não ficava – Vai ver ele estava com caganeira, sei lá! E você? Vai trabalhar no que?

- Contínuo – disse Vitor orgulhoso – sempre Contínuo!

Vitor tinha uma carreira de contínuo, afinal ninguém ia contratar ele pra exercer funções de muita responsabilidade mesmo, então já havia se habituado ao cargo, pelo menos sobrava tempo pra escrever.

- Porra! Mas contínuo de novo? – foi a única coisa que Jorge conseguiu pensar, os parabéns vieram depois.

Gustavo Campello

domingo, 10 de outubro de 2010

NADA PRA FAZER/ESCREVER



Vitor estava sentado na frente do seu computador, não tinha nada pra fazer, ficou encarando o seu reflexo no fundo escuro do descanso de tela.

Entrou num site de putaria, bateu uma punhetinha e depois ficou pensando que não tinha nada de bom passando na televisão.

Entrou num site com pirataria de quadrinhos, fez o download de uma meia dúzia e leu todos pensando “Se eu tivesse um macaco, também ia se chamar Ampersand”.

Entrou no Soulseek e pegou três álbuns completos do David J., ouviu todos com uma certa nostalgia, lembrou do final dos anos 90 quando escutava estas mesmas músicas quase todos os dias.

Abriu a geladeira e bebeu cinco latas de cerveja com salgadinho de pimenta.

Deu comida para os peixes.

Ligou a televisão, se recordou de que havia lembrado antes que só havia programas ruins passando e desligou rápido.

Foi ligar para alguém, então percebeu que o celular estava sem bateria. Lembrou-se que havia esquecido o carregador na casa da Beatriz.

Leu um conto do Marcelo Mirisola enquanto cagava e depois ficou sentado mais um tempo no trono pensando que não tinha mais porra nenhuma pra fazer. Tomou um banho demorado ouvindo os mesmos CDs do David J. que tinha acabado de pegar no Soulseek e ouvira algumas horas atrás.

Entrou no Facebook, colheu seus tomates no Farmville e plantou melancias.

Foi até a geladeira e percebeu que a cerveja tinha acabado, virou um copo de run seguido de um copo de suco de pêra.

Deitou na cama e dormiu.

Outro domingo havia passado.

Gustavo Campello

terça-feira, 5 de outubro de 2010

EMPURRANDO O FUSCA



Era meia noite, Vitor estava bêbado em casa e o telefone tocou.

- Alô?

- Vítor?

- É ele!

- É o Mario!

- Aquele que me comeu atrás do armário? – piadinha de praxe que Vitor sempre falava quando ele ligava.

- Preciso de uma mão, acabou a bateria do meu Fusca. To há três quarteirões da sua casa.

- Vem pra cá.

- Nem, preciso que me ajude a empurrar esta bagaça até em casa.

Mario morava há uns cinco quilômetros de distância, ia ser uma bela de uma empurrada, Vítor pensou no trabalho que ia dar e estava pensando em alguma desculpa, mas depois imaginou o mico que ia ser, não é todo dia que se empurra um Fusca do centro da cidade até a casa do Mário e achou que ia ser divertido.

- To indo praí!

Chegando lá, Mario estava de pijama esperando por ele.

- Mas que merda, porque está de pijama?

- Não achei que o carro ia pifar, porra! – Mario estava indo buscar a namorada, na rodoviária, mas devido ao ocorrido ela já tinha ido pra casa de taxi mesmo.

Começaram a empurrar o carro, Vitor nunca tinha imaginado que um Fusca pesava tanto, estavam ainda na avenida principal e já suavam bicas, passaram por um carrinho de cachorro quente lotado de gente e todos olharam para a cena, um bêbado e um cara de pijama empurrando um Fusca.

- Hahahahahaha, força aí!

- Olha a roupa daquele cara!

Vitor parou pra acenar pro pessoal enquanto Mario empurrava sozinho o Fusca dando risada, ambos não davam a mínima para a gozação, se tinha alguém como Vitor que não ligava de pagar mico era o Mario. Se o Jorge ou o Walter estivessem ali, ambos abaixariam a cabeça e ficariam vermelhos.

Continuaram empurrando o Fusca prateado fazendo poses de fodões.

- Se meu pai me visse agora ia dizer que eu sou macho – disse o Mario.

- Se meu pai me visse agora ia me chamar de idiota – disse Vitor.

Depois de muito esforço chegaram a casa onde Mario morava com a namorada Larissa, a garagem em compensação era uma rampa pra cima e o carro não subia nem fodendo.

- E agora?

- Porra, trouxemos o carro até aqui pra não conseguir enfiar na garagem?

- Vamos dar um impulso!

Arrastaram o Fusca alguns metros pra trás da garagem e miraram no portão.

- Super Gêmeos, Ativar – gritou o Vitor no meio da rua enquanto Mario tocava na sua mão.

- Em forma de um gigante de gelo – gritou o Mario.

- Em forma de um rinoceronte – gritou o Vitor.

Empurraram com o toda a força que tinham, o carro subiu a rampa e bateu com o pára-choque na parede.

- Pelo menos entrou! – Vitor disse tentando consolar.

- Certo – Mario olhava o amassado – tem cerveja aí, vamos entrar.


Gustavo Campello