terça-feira, 31 de agosto de 2010

ANOS 80 - PARTE II



Vitor estava se arrumando para a tal festa dos anos 80, pegou uma calça super-hiper-mega justa, colocou uma camisa verde limão por dentro da calça, raspou a barba para deixar um bigodinho e penteou o cabelo para trás para ficar parecido com o Freddie Mercury. Estava ridículo. Na verdade estava muito mais do que simplesmente ridículo. Estava ridículo e tosco.

Foi buscar Beatriz que estava com uma mini saia roxa e preta, uma jaqueta azul claro, o cabelo armado e um brinco enorme na orelha – tudo bem – pensou, não era o único ridículo.

Chegando na festa estava desanimado, aquelas músicas ruins realmente ficavam grudadas na cabeça... não tinha nada pior que Bonnie Tyler tocando Total Eclipse Of The Heart. Foi bebendo cerveja e mais cerveja, logo estava dançando com Beatriz como as pessoas dançavam nos anos 80. Cabeça encostada no ombro e as mãos escorregando para dar uma passada na bunda “sem querer”.

Foi bebendo mais e logo estava em uma rodinha dando cotoveladas com Adamastor e Mario ao som do R.E.M. tocando It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine). Jorge estava no som e colocou em seqüência alguma coisa dos Smiths, já que Vitor estava empolgado e adorava esta banda, ele cantava usando a vassoura como um microfone. Já estava bem bêbado.

Imitava o Freddie Mercury sem nenhum pudor e todos olhavam incrédulos e cheios de vergonha alheia, mas logo passava porque pensavam “É o Vitor!”. Estavam acostumados com este tipo de coisa. Fazia tempo que não o viam assim, tão solto, tão descontraído, tão bêbado...

No dia seguinte Vitor acorda com uma dor no saco devido a calça justa, se levanta, vai até a sala, liga o computador e olha para a foto que está no fundo de tela. Seria ele rebolando com aquela calça justa, com cara de viado e aquele sorriso no rosto?

Sim.

Era ele.

Gustavo Campello

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ANOS 80



Os amigos de Vitor insistiram. Ele achou uma péssima idéia, mas não teve jeito. Ia mesmo rolar uma festa anos 80, tipo um bailinho, Vitor não se lembrava muito dos bailinhos, deve ter participado de uns dois durante a sua adolescência. Pelo menos era de dois que se lembrava. O primeiro inclusive foi na sua casa, às pessoas estavam formando casais e ele foi ficando de lado.

- Você vai ficar com alguém? – perguntou Marília chegando perto dele.

- Sei lá.

- Quer me dar um beijo? – a menina estava desesperada para beijar alguém, não queria ficar de lado enquanto as outras meninas beijavam outros garotos.

- Tudo bem.

Primeiro bailinho e ele já faturava uma garota, parecia uma vida promissora, mas a sorte dele parou por aí. Marília era uma garota bonita, ainda deve ter uma foto dela em algum lugar, haviam estudado juntos fazia algum tempo, inclusive em escolas diferentes, seu pai era amigo do pai dela, haviam dançado juntos na terceira série em uma daquelas festas que a escola faz para os pais verem seus filhos pagarem micos. Marília sempre fora sua amiga, sentia falta dela.

Nessa época ele gostava de uma garota loira de olhos azuis, aquela garota que toda a classe é apaixonada, Lilian, mas não tinha coragem de convidá-la para dançar, ficava lá olhando ela dançar com outros caras e se sentia um merda. No segundo bailinho encheu o peito de coragem e foi lá, convidou ela para dançar, depois de trinta segundos a vitrola deu um defeito, ou acabou a força, não se lembrava agora, o fato é que a música acabou, ficou tudo escuro e não teve mais dança. Vitor e seu azar crônico. Achou melhor deixar quieto, nunca mais convidou ninguém para dançar. Teve um casamento que dançou com uma tia cinquentona, mas foi ela que insistira.

Por essas e por outras Vitor achava a idéia de uma festa anos 80 a pior idéia do mundo. Foi então que lembrou que nos anos 80 ele não ia a bailinhos, brincava com seus Comandos em Ação, assistia He-Man e Thundercats e fazia guerras de mamonas com seus primos. Os bailinhos que ele se lembrava haviam sido no começo dos anos 90. As roupas não eram tão ridículas e as pessoas já haviam tido o bom censo de jogar aquelas ombreiras fora.

Pensou sobre tudo isso e ficou com mais medo ainda do bailinho.

Gustavo Campello

sábado, 21 de agosto de 2010

O PEIXE ZUMBI



Vitor estava cansado, ainda tinha que escrever uma crônica. Tinha saído, bebido todas na casa do Jorge, mal conseguia andar, lembrou-se do seu peixe zumbi e foi olhar o aquário.

O peixe em questão era um neon, mais precisamente um tetra cardinal, já fazia quase um mês que ele não estava comendo, desde então começou a emagrecer e ficar com um jeitão meio de que estava apodrecendo, resolveu então batizá-lo de peixe zumbi. Imaginava ele a noite correndo atrás do outro peixe falando – cérebros, cérebros! – e os peixes correndo pelo aquário como num filme B.

Vitor olhou para o aquário e o peixe estava ali, morrendo, deitado nas pedras, não sentiu vontade de deitar na cama e dormir, iria ficar ali, com seu peixe zumbi até a hora que ele morresse. Era a única coisa que podia fazer. Havia limpado o aquário um dia anterior para que ele pelo menos morresse com a água limpa, não que o aquário estivesse sujo, mas gostava de manter os peixes em um ambiente saudável.

Vitor deitou-se no carpete, teve vontade de vomitar, enquanto isso o peixe zumbi tinha uns espasmos e alguns vinham para perto dele, pensando que logo ele iria virar comida.

Umas três da manhã o peixe morreu, Vitor levantou-se, tirou ele do aquário antes que fosse despedaçado pelos outros peixes e enterrou o peixe na privada. Deu descarga. Deu uma mijada. Deu descarga de novo e foi dormir.

Dias depois descobriu que seu peixe estava com tuberculose, nem imaginava que peixes podiam pegar tuberculose, só esperava que os outros continuassem bem.

Gustavo Campello

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

IMAGINAÇÃO



- São um bando de idiotas – dizia Beatriz sobre seus alunos, ela havia acabado de pegar uma matéria nova na faculdade em que dava aulas e era sempre assim, ela se irritava quando algo não dava certo.

- Talvez sua ideia não tenha sido tão boa assim.

- Não vem com essa, Vitor – ela estava muito irritada – A ideia foi boa, eles que são preguiçosos, não se dedicam a nada direito.

- Eu não acho que iria conseguir fazer.

- Você faz faculdade de economia, lógico que não ia conseguir fazer.

- Se fosse com dinheiro, papel ou até com garrafas de plástico eu conseguiria.

- Mas não é com dinheiro, papel ou garrafas de plástico!

- Você já conseguiu fazer a sua? – Vitor agora intimidava Beatriz que ficou sem graça e emburrada.

- Não! – respondeu ela.

- Então...

- Então o que? Você quer dizer que vai dar tudo errado na minha aula, né? Eu vou perder meu emprego! Vão me achar incapaz de dar outras aulas e vai estar tudo perdido.

- Certo! Tudo bem, calma – Vitor se preocupava quando ela ficava assim, não gostava de ver ela irritada, na verdade não gostava de ver ninguém irritado – Mas o que você vai fazer se eles não conseguirem fazer?

- Não sei, estou perdida, vou reprovar todo mundo, eles que se fodam, você que se foda também!

- Heeeeeeeey!

- Desculpe – disse ela se acalmando – Estou nervosa!

- Jura? Nem deu pra perceber!

- Ah – disse ela se irritando de novo – Vá se foder!

Beatriz saiu deixando Vitor lá, sozinho, imaginando o que tinha falado de errado, ele pensava que odiaria ser seu aluno na aula de escultura.

- Já vi esculturas de gesso, esculturas de ferro, esculturas de madeira – divagava ele em voz alta – mas esculturas de meias? Acho que a Beatriz não bate bem, que dó dos alunos! – e Vitor voltou a estudar sobre Neoliberalismo para a prova que teria dali a pouco. Ficou imaginando como diabos iria fazer uma escultura usando meias? Podiam falar o que fosse da sua namorada, mas ela tinha imaginação... Muita imaginação, era por isso que gostava dela.

Gustavo Campello

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O CAMINHO



Durante a semana, de segunda a sexta, Vitor sai de sua casa as 18:30hs. Saindo do elevador sempre tem que ouvir seu porteiro falar de futebol, mesmo não dando muita bola para o esporte em questão, sempre preferiu beisebol, fato estranho se levarmos em conta o país onde vive.
Virando a primeira a direita ele entra em uma rua suja de bosta, tem bosta pra todo lado, parece um campo minado, é sempre importante deixar os olhos bem abertos e ir desviando para não sujar os pés, os muros dessa rua são usados de latrinas, tem sempre um filho da puta mijando, Vitor finge que não vê e segue em frente, ele imagina se todas aquelas merdas no chão são de cachorros ou se algumas podem ser humanas, mas acha melhor não pensar sobre o assunto.

Saindo dessa rua ele chega a uma enorme avenida, a maioria do seu percurso é nela que ele anda, é uma das avenidas principais da cidade, está sempre cheia, uns oito ônibus fazem fila no ponto, pessoas vêm e vão para todos os lados, quando está muito quente o rio que fica entre as pistas fede que nem um lixão e mosquitos perambulam grudando no seu rosto. Vitor andou por esta avenida a sua vida inteira, brinca que quando morrer quer ser cremado e que suas cinzas sejam jogadas naquele rio fedido.

Ônibus passam no sinal vermelho e buzinam para ele como se fosse um crime andar a pé por ali, existe um cruzamento com uma rua chamada Santos Dumont que nem sequer existe um sinal para pedestre, a faixa está ali, porém você tem que esperar a boa vontade de algum motorista ou que os carros simplesmente parem de passar para atravessar, Vitor às vezes imagina que as pessoas têm que ser um Transformer e virar um carro para poder passar por aquele cruzamento – Vereadores filhas das putas que não ligam a mínima para os pedestres – pensa sempre que passa por ali, todo santo dia.

No caminho passa por aquele barzinho novo tão legal que lembra o Ozzo, não que tenha música ao vivo, mas pelo menos toca algo legal e as pessoas ficam na rua bebendo cerveja, não tem mesa, não tem petiscos, só cerveja e um bando de gente da velha-guarda, mais velhas, como ele.

Quando pega a Rua dos Alecrins sempre tem que desviar de carros parados na faixa de pedestre, as pessoas parecem que nem notam que existem pessoas passando a pé ali, é quase que como o pedestre tivesse que pedir desculpas por não ter um carro. Passa por uma batataria, que é onde Beatriz trabalhava como garçonete, quando eles começaram a sair. Lembra de um amigo que morava naquela rua, ele tinha uma cachorra que de tão velha já estava cega, ela andava em linha reta e quando batia a cabeça na parede deitava e esperava que alguém a tirasse dali. No final tem uma padaria que tem o melhor pão da cidade.

Atravessa uma praça onde dondocas andam com seus cachorrinhos, também é preciso tomar cuidado com as bostas por ali. Passando pelo local ele finalmente chega a rua de seu destino, onde um gato preto sempre passa na sua frente para renovar um pouquinho o azar que Vitor tem de sobra, finalmente chega no Bar do Jean, toma uma cerveja e vai assistir a aula da faculdade sabendo que tem todo o caminho de volta ainda no fim da noite.

Gustavo Campello

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

PELA METADE



Vitor Scaglia estava de saco cheio, parecia que tudo que ele começava na vida não tinha um final, a última coisa que ele deve ter terminado foi (além da garrafa de vinho que estava ao seu lado) o segundo grau, isso há mais de dez anos, estava fazendo uma faculdade de economia, mas não se identificava em nada com o curso – É um bando de vendidos! – dizia ele se referindo à profissão, parecia que tudo tinha que girar em torno de dinheiro.

Sentia-se perdido, não tinha vontade de trabalhar, então ficava em casa escrevendo, achava tudo sem sentido – Pra que diabos eu vou trabalhar com alguma coisa que eu não gosto se eu vou morrer no fim como todo mundo? – as pessoas sempre tinham a mesma resposta também – Dinheiro!

Era um pessimista da pior espécie, se pensava em fazer alguma coisa diferente, logo desistia porque muito provavelmente iria dar errado, não porque a idéia era ruim, mas porque era ele que iria por em prática. Achava que era o cara mais azarado da face da Terra, mas as coisas realmente acabavam dando errado com ele, então não terminava nada.

Atualmente está escrevendo um livro e não está disposto a desistir, o livro vai provar que ele pode terminar alguma coisa sem que esta coisa seja o segundo grau ou uma garrafa de vinho. Quando não está com idéias resolve escrever crônicas, coisas pequenas para exercitar a escrita e fazer o cérebro funcionar.

Vitor está em frente ao computador olhando para uma crônica que está incompleta, se levanta, vai comer um pão com mortadela e cerveja.

A crônica é só mais uma das coisas que ele vai deixar pela metade.

Gustavo Campello

domingo, 1 de agosto de 2010

VISITA EM FAMÍLIA



Os pais de Vitor Scaglia moravam em uma cidade próxima, dava uns cinqüenta minutos de viagem, na verdade quase toda a sua família morava lá, as duas avós, uns cinco primos, dois tios e duas tias e mais uma porrada de gente, Vitor costumava aparecer por lá pelo menos umas três vezes por ano, era uma freqüência baixa devido a proximidade da cidade, mas evitavam comentar sobre o assunto.

Era sempre a mesma coisa, chegava à casa de seus pais e se indagava “porque diabos tinha uma escova de dente lá?” Ela era usada tão pouco e provavelmente iria durar mais de cinco anos, na verdade devia ter uns três anos agora e ainda estava tão nova, era uma escova de dente muito melhor do que a que estava em sua casa, sempre que visitava seus pais pensava “Está na hora de trocar a escova de dente que está lá em casa”. Tinha também um chinelo e era muito mais confortável do que o que tinha em sua casa também, sua mãe mandara fazer aquele chinelo em alguma senhora que fazia chinelos e mesmo ele parecendo chinelos de idosos eram muitos bons nos pés. “Devia levar esses chinelos para casa”, mas sempre os deixava lá.

Sempre que ia visitar seus pais e parentes batia aquela saudade de casa, não gostava de sair, deixar suas coisas, seus peixes sem comida, era definitivamente um homem caseiro. Ficava no máximo três dias fora de casa, nunca mais do que isso, mas quando ia tomar banho sempre pensava que podia ficar uns dias a mais, aquele chuveiro era o melhor chuveiro que já tinha visto na sua vida, a água saía com tanta força que massageava suas costas, podia deixar a água muito quente no inverno e muito fria no verão, seu chuveiro definitivamente não era assim, funcionava direito, mas era um chuveiro comum, porém tinha aquela gota de água gelada que sempre pingava nas suas costas, dizia que ia concertar aquilo, mas sempre esquecia, Beatriz, sua namorada, sempre reclamava do seu chuveiro e sua maldita gota gelada.

Visitava o primo em uma das noites que passava por lá, cresceram juntos, era como um irmão, tomavam cerveja, jogavam videogame e era sempre humilhado em todos os jogos da face da Terra, mas tudo bem, o importante era jogar, mesmo em suas melhores performances no futebol acabava perdendo nos pênaltis depois de um empate suado. Bebiam mais e conversavam sobre qualquer coisa, de todas as pessoas da família, seu primo Giulio, era o que mais estimava.

Sua avó, acometida com o mal de Alzenheimer balbuciava palavras sem sentido, havia ido especialmente para lá ver ela, pois tinha tido um sonho onde ela, seu falecido avô e o irmão dele também morto jogavam cartas em uma sala estranha no outro mundo.

- O que está fazendo aqui, menino? – disse o avô preocupado.

- Vim ver o jogo – Vitor disse despreocupado no sonho. Tudo aquilo parecia um sonho, portanto devia saber que estava sonhando.

- Estou esperando minha irmã – disse a avó, que ainda não estava morta no mundo real, mas parecia tão acostumada ali, com aquele cenário tão estranho.

- Menino – disse o irmão do avô, tão simpático e brincalhão – você tem que dar o fora daqui, ainda está vivo.

Vitor acordou e sentiu que precisava ir visitar a avó, que parecia estar esperando a irmã morrer para poder ir junto. Foi visitá-la e ficou ali com ela, tão distante, sem nem o reconhecer. Vitor lembrou-se de fotos antigas dela, era realmente gostosa, o tipo de mulher pela qual ele se apaixonaria fácil – “Que homem de sorte era meu avô” – pensou ele ao ver aquela foto pela primeira vez, pois se ainda existisse uma italiana tão gostosa, que se apresentasse, duvidava que existisse.

Foi-se embora depois de três dias. Cinco meses depois todo o ritual se repetiria, mas desta vez levou os chinelos.

Gustavo Campello