domingo, 30 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE O NADA



Dedicado a Felix Baumgartner

O que é o nada?

Ele existe?

A própria concepção do nada chega a ser absurda.

Antes de Deus existia o nada? Existia o “antes de Deus”? Como era o nada antes de Deus? Escuro? Claro? Preto? Branco? O nada pode ter cor?

Pra mim é fácil demais acreditar em vida após a morte, porque imaginar que vou virar um “nada” é tão estranho, tão estúpido e tão incoerente que não faz nenhum sentido.

Como pode ser possível que tudo o que eu penso, tudo o que eu sinto, tudo o que eu sou simplesmente deixe de existir?

Neste momento em que estou completamente sozinho neste enorme espaço silencioso, tento parar de pensar. Pensar em nada. Mas percebo que é impossível.

Mesmo quando tento pensar em nada, começo a pensar no que é o nada, logo acabo não conseguindo pensar em nada. É um paradoxo mental, quase uma armadilha cerebral.

Quanto tentamos não pensar em nada, acabamos pensando no que nos preocupa naquele exato momento. Neste momento, por exemplo, eu penso que devo ter no máximo duas horas de oxigênio. Duas horas devem passar bem rápido agora.

Fiquem em uma cama de hospital durante três semanas. Vai parecer que você está ali deitado por três meses inteiro. Um minuto parece pouco tempo, mas segurem com o braço estendido uma sacola com duas garrafas de dois litros de coca cola dentro por um minuto. Um minuto vai parecer uma eternidade.

O tempo é relativo.

Mas o que não é relativo?
             
O próprio nada pode ser relativo de uma pessoa para outra.
           
Claro ou escuro. Preto ou branco. Sólido ou liquido.

Dizem que os peixes tem uma memória de alguns minutos. Viver assim deve ser o mais próximo do nada. O nada é o esquecimento. Não saber quem você é. Onde você está. O que você quer. Quais seus sonhos. Quem você ama...
           
O mais próximo que chegaria da concepção do nada é se eu fosse um peixe.
           
Um peixe nadando num espaço de divagações que logo seriam esquecidas.
            
Minhas divagações logo vão ser esquecidas... Mas duraram mais do que alguns minutos. Estou longe de entender o nada.
             
Eu sei quem sou, um astronauta. Onde estou, no espaço fora do meu planeta Terra. O que eu quero, que é viver. Conheço meus sonhos, poder dizer para as pessoas o quanto elas significam para mim e o quanto elas foram importantes até agora. Quem eu amo... Agora eu entendo...
            
Eu amo a todos.
             
Todos eles lá embaixo.
           
Cada um deles, sem distinção.

Gustavo Campello

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE SUICÍDIO



Suicídio sempre foi um pensamento constante na minha vida. Medo de envelhecer. Medo de doenças. Medo de viver demais e ver o quanto tudo é inútil e vazio.

Sempre encarei a morte de frente, acho que uma pessoa não poderia se tornar um astronauta se tivesse medo de morrer. Apesar de todas as precauções, ainda é uma profissão de risco. Bombeiros, policiais, soldados... São todos suicidas enrustidos. A pessoa não escolhe uma profissão onde corre o risco de levar um tiro ou morrer queimado por puro altruísmo. Não existem heróis que não sejam suicidas.

Quando eu era adolescente ficava horas pensando em como eu faria. Pensei em remar até uma área cheia de tubarões e fazer um corte na mão. A água do mar se misturando ao meu sangue iria atrair as feras para o banquete final. Faria um furo no barco e estouraria os miolos com uma arma. Rápido e indolor. O barco afundaria aos poucos, os tubarões me comeriam já morto. Nenhum corpo para ser enterrado. Simplesmente sumiria para sempre.

Depois que perdi um cachorro que fugiu e nunca mais o encontrei desisti desta idéia. É muito ruim não ter certeza que alguém que você ama muito está vivo ou morto. É preciso um corpo para enterrar.

O mar foi minha escolha por ser quase infinito.

Irônico.

Jamais imaginaria que o espaço sideral seria o meu túmulo.

Será que há algo mais infinito do que o espaço?

Será que Deus consegue passar esta sensação com sua presença?

Agora que estou vagando no espaço e devo morrer logo por falta de oxigênio, suicídio é algo que não para de passar pela minha cabeça. Algumas pessoas dizem que é um pecado mortal. Dizem que vou para o inferno. Suicídio é mal visto pelas pessoas, você não tem o direito de tirar a própria vida.

Por quê?

O suicida não é uma pessoa com mais fé? Ninguém se mata pensando que não há algo melhor do outro lado. Não seria o suicida o único a dar um passo preciso e sólido rumo a eternidade? Não seria recebido com salva de palmas por ter mais certeza do além vida do que as pessoas que se apegam a vida como urubus atracados a carniça? Não seríamos pobres de espírito quando simplesmente nos recusamos a morrer e lutamos sem motivo nenhum contra algo que não podemos vencer?

A morte é inevitável. Nada de novo nisso.

Se eu decidir abrir o capacete e simplesmente morrer alguns minutos antes do sofrimento vir me pegar me recuso a me sentir culpado. Não vou entrar na eternidade com a cabeça baixa por ter decidido tomar minha própria vida. É preciso muito culhões pra isto. E quem diabos pode julgar a minha decisão? Quantas pessoas morreram no espaço como eu? Quantas pessoas tiveram a vida de todos os suicidas lá de baixo?

As pessoas julgam e é só isto o que elas sabem fazer.

As vezes o sofrimento é grande demais. As vezes a desesperança é grande demais. As vezes a vontade de viver é pequena demais. E quem somos nós pra julgar?

Acho que já decidi meu fim. Acho que o decidi há muito tempo atrás.

Gustavo Campello

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE ENVELHECER



Existem pessoas que querem envelhecer e existem pessoas que preferem morrer mais jovens. Eu sempre pertenci ao segundo grupo. 

Envelhecer sempre foi o meu maior medo.

Minha avó ainda é viva, tem mais de noventa anos e está há quase dez vegetando em uma cama. Alzheimer e Parkinson. Alimenta-se por um tubo enfiado no seu nariz. Pick e Huntington. Ela era a pessoa mais independente que conheci, jamais gostaria de estar viva desta maneira. Lewy e Wernicke.

Sempre vi minhas tias e tios avós morrerem perto dos cem anos, todos ficaram anos em uma cama vegetando. Decidi que não morreria assim, enfiaria uma arma na minha cabeça e a explodiria se precisasse assim que fosse diagnosticado com alguma dessas doenças. Conheci Hemingway anos depois de tomar esta decisão e tudo ficou decidido ainda. Seria teatral, épico e definitivo.

As pessoas tentavam me convencer de que ser velho é legal. Você fica mais experiente, uma outra visão de mundo, poder enxergar mudanças ocorrendo bem na frente dos seus olhos e blá blá blá.

Se o mundo mudou no ultimo século eu realmente não acredito que foi pra melhor.

As pessoas ficaram mal educadas, mais burras e supérfluas. Pra que ficar velho pra enxergar uma merda dessas? Dispenso!

Apesar de que agora nem tenho mais escolha. 

Se for pra morrer hoje pra não ficar velho igual a minha avó... Tudo bem!

A única curiosidade é a de saber como iria ficar o meu rosto com uns oitenta anos. Onde eu teria mais rugas? Perderia todo o cabelo? Usaria dentadura ou teria ainda alguns dentes remanescentes? Meu corpo ficaria todo flácido ou ainda conseguiria manter algum resquício de dignidade?

Penso nas pessoas envelhecendo lá embaixo que se importam comigo, elas vão sofrer muito porque não vão ter um corpo para enterrar. Lembro quando um cachorro do qual gostava muito fugiu e nunca pude ter certeza de que ele estava vivo ou morto. Foi uma angustia viver com esta duvida até hoje.

O mais triste da vida é que nos acostumamos a viver sem as pessoas que amamos.

Pessoas entram na nossa vida, ficam um tempo e vão embora cedo ou tarde. Às vezes seguem outros caminhos ou simplesmente morrem. Todas elas. Sem exceção.

- Não vou ficar velho!

De certo modo é um alivio poder falar isto em voz alta. Penso em todas as coisas que vou perder daqui para frente, mas também penso em todas as coisas que serei poupado daqui para frente. Colocando em uma balança é difícil saber qual pesa mais.

Diziam que eu era muito depressivo por dizer que a pior parte da vida é o fato que viver cansa. Eu estava cansado de acordar todos os dias, cansado de pensar nas mesmas coisas, fazer as mesmas coisas e quando fazia diferente tudo me cansava também.

Ótimo, agora estou pensando sobre mim no passado. Como se já estivesse morto.

Gustavo Campello

domingo, 16 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A CULPA



A culpa é como uma parede de concreto que carregamos em nossas costas, tendo o cuidado para nos mantermos equilibrados com o peso constante que tende a tentar nos derrubar a todo o momento.

A culpa é algo que criamos em nossas cabeças?

Ela existe?

Podemos ser culpados por seguir nossos instintos e sermos fieis a algo que está dentro de nós, mesmo sabendo que é errado?

Devemos nos sentir culpados pelo que fazemos aos outros somente?

E o que fazemos a nós?

A culpa é um dos sentimentos mais abstratos que rodeiam a história humana. Nunca consegui entendê-la, do porque sentimos tal coisa, mas ela esteve presente em todos os momentos da minha vida desde que me conheço por gente.

Sinto-me culpado pela fome do mundo, por pessoas que são obrigadas a desistirem de seus sonhos pela sobrevivência, sou culpado pela morte prematura de John Lennon e por guerras inteiras ao redor do mundo. É um complexo esquisito este que sinto. Um psicólogo me disse certa vez que sou empata, que consigo sentir demais o que as pessoas ao meu redor sentem. Consigo facilmente me colocar no lugar do outro. Se algum louco entra atirando em uma escola infantil, consigo sentir o sofrimento dos familiares das crianças mortas como se fossem meus filhos e filhas. Posso ficar dias deitado na cama pensando como se fosse o meu dedo em todos os gatilhos e como se fosse minha avareza que impede crianças de comerem na África. Sinto-me parte de uma sociedade corrompida desde seus primórdios por culpa minha.

É como se Deus fizesse tudo para me ensinar uma lição. Para mim e mais ninguém. Então me sinto culpado por me sentir tão importante e os dados são lançados.

E quando tudo parece perdido vem o ápice da paranóia onde acredito que na verdade Deus sou eu, que tenho o poder pra impedir tudo o que é de ruim no mundo e na verdade não levanto um dedo.

“Mas eu não sei como impedir isto” – tento dizer para mim mesmo – “Mas eu tenho o poder para fazê-lo!”

Gostaria de pedir desculpas para todas as pessoas que conviveram comigo, porém para algumas nem sei por que gostaria de pedir desculpas, apenas gostaria.

“Me desculpe, meu filho” – eu digo para a criança abortada que não chegou a nascer – “me desculpe por matar você. Logo estaremos juntos e poderá gritar comigo pela vida que lhe tomei. Quando eu disse que não queria ver a cara de sua mãe para o resto da vida, era mentira, tive apenas medo. Sorte dela ter se afastado. Eu te matei e somente eu devo carregar esta culpa”.

Na mitologia Jasão nunca conseguiu se vingar de Medeia que assassinara seus filhos para se vingar do amado que lhe trocou por outra, talvez ele não tenha se vingado devido a culpa que sentia de ter abandonado uma mulher que havia feito tanto por ele. Fui o negligente Jasão e a assassina Media. Sou os dois ao mesmo tempo.

“Eu nem mesmo deixei-me o corpo de meu filho; não o levei comigo para ser enterrado. E para mim mesmo, que te fizeste todo o mal, eu profetizo uma maldição final. Morrerei no espaço... Sozinho”.

Gustavo Campello

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE CONSEQUÊNCIAS



Tudo que vai volta!

Todas as nossas escolhas refletem na vida das outras pessoas como ondas de uma pedra atirada em um lago. Essas ondas reverberam infinitamente durante toda a nossa existência.

Lembro-me quando, na casa de meus avós, balançava uma vara de bambu para tentar atrair morcegos. Queria derrubar um para provar que conseguia. Devia ter uns onze anos. Peguei um em cheio, rodopiou pelo ar e caiu na minha frente. O morcego tremia machucado. Me assustei e chamei meu avô. Ele me fez entender que eu avia machucado aquele animal que era mais fraco que eu e que agora ele era minha responsabilidade. Tive que pegá-lo e colocá-lo pendurado em uma árvore de sapoti que havia na casa dele. Esta árvore era uma das razões de haver tantos morcegos por ali. Eles adoravam esta fruta.

Durante uns três dias o morcego ficou ali pendurado, sem poder voltar para sua toca. Alimentava-se das frutas com dificuldade e eu ia conferir como ele estava a cada par de horas. Quando acordei no quarto dia ele não estava mais ali e senti saudades dele. Apeguei-me a ele. Nunca mais balancei um bambu para acertar morcegos.

“Você é responsável por quem cativas”

Frase célebre de Antoine de Saint-Exupéry.

Ela explica muita coisa sobre conseqüências. Principalmente quando nossos atos afetam terceiros, ou seja, a maioria deles.

Não existe cena mais triste pra mim do que lembrar-me da Raposa, interpretada por Gene Wilder, no campo de trigo com o olhar distante esperando o Pequeno Príncipe. Pra mim é a imagem mais concreta da tristeza.

Nunca quis machucar ninguém, mas na vida, isto é inevitável.

Muitas vezes evitei criar laços afetivos com pessoas com medo do que eu podia fazer a elas. Preferia me machucar. Me isolar. Me afastar.

Muitas vezes quando eu resolvia me reconectar e me aproximar era a outra pessoa que me machucava... E esta é a história da existência humana.

Eu acho que quando tomamos uma decisão, devemos estar preparados pelas conseqüências que ela trará. Estou morrendo no espaço, mas a decisão de ser um astronauta foi minha. Só minha. Não vou reclamar das conseqüências que isto acarretou, mesmo que tire a minha vida. Quando uma pessoa bebe, ela não deve reclamar quando seu fígado começa a parar de funcionar, isto seria uma atitude imbecil.

Não tem nada pior que fumantes reclamando de câncer no pulmão!

SEJAM COERENTES ATÉ O FINAL!

Eu tento ser coerente até o final.

Reclamar das consequências não leva a lugar nenhum. Quando se é possível corrigir algo que deu errado, então corrija! Não coloque a culpa em ninguém.

Desculpem-me por morrer no espaço, seja lá quem for sofrer com isto.

Só tenham em mente que eu nunca me arrependi por ter acertado um morcego com um bambu. Eu teria me arrependido se tivesse deixado ele lá no chão frio para morrer sozinho.

Gustavo Campello

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE O CANSAÇO



Em Memória de Oscar Niemeyer

As minhas costas doem. Meus olhos estão pesados. Parece que tenho mais de cem anos e sinto meus ossos esfarelarem aos poucos. É a posição. O cansaço de estar há horas vagando sem rumo no meu traje de astronauta neste espaço infinito.

Queria que a morte fosse mais simples. Que fosse rápida e chegasse de um minuto para o outro. Seria mais fácil.

Nada na vida é fácil.

Tudo vem do jeito mais difícil, sempre.

O cansaço é quando todas as suas forças te abandonam. Quando seu corpo não funciona mais e sua mente luta para se manter alerta. É uma eterna luta entre cérebro e corpo. Meu cérebro ainda está a mil por hora, trabalhando o tempo todo, mas meu corpo sofre toda a tensão, dores, desconfortos e fadiga.

Cansaço é quando seu corpo quer entregar os pontos e seu cérebro não deixa.

Queria poder dormir, tentar descansar. Muitas pessoas gostariam de morrer dormindo, eu não, tenho pânico disto. Fico imaginando eu morto achando que estou dormindo ou algo assim, meu espírito ainda achar que está vivo. Quero encarar a morte acordado, de frente.

Preferia estar descansado pra tudo isto, queria só tirar um cochilo de quinze minutos, nada demais, só para recuperar minhas forças.

Vagar pelo espaço sabendo que você vai morrer é como aquelas noites intermináveis que você precisa dormir para acordar cedo no dia seguinte, mas os pensamentos não deixam que você pegue no sono. Você vira para um lado, vira para o outro e seu corpo não acha uma posição. Lembra de memórias do passado, imagina como teria sido se tivesse tomado outras escolhas e fica suando no travesseiro com medo de não conseguir dormir ou de não conseguir acordar no horário.

Tive uma noite dessas na estação espacial. Fiquei tentando pegar no sono e fiquei a imaginar uma enorme nave espacial coletando animais como na arca de Noé. Tentava imaginar um animal com a letra A, outro com a letra B e assim por diante. Tentei pegar no sono imaginando os animais sendo recolhidos, mas quando travei na letra N fiquei mais inquieto ainda e foi aí que desisti de dormir e fiquei a lembrar de Rachel.

Lembrei dos seus olhos grandes e do seu sorriso, ela tem um sorriso capaz de matar alguém. Tem um quê de sedução e um quê de serial killer. E em cinco minutos estava dormindo como um bebê.

É assim na vida da gente também, algumas soluções só aparecem depois que desistimos de procurá-las.

Talvez o cansaço só vá embora quando parar de pensar nele, talvez a morte só tenha coragem de vir aqui me encarar depois que parar de pensar nela. Talvez ela seja tímida, não consiga se aproximar com alguém procurando por ela. A morte deve ser uma mulher... Com olhos grandes e um sorriso capaz de matar alguém... Com um quê de sedução e um quê de serial killer.

Sim. A morte definitivamente é uma mulher.

Gustavo Campello