domingo, 26 de junho de 2011

FIAPO MARCIOLO



Marciolo era um fiapo de algum pijama branco de Vitor, morava em um nécessaire de remédios transparente e tinha um capacete metálico de um pedaço de uma cartela de pastilhas para garganta. O fiapo Marciolo era o melhor amigo de Vitor.

- O que você está procurando? – Diz o pobre fiapo sendo acordado de seu sono.

- Meu anti-depressivo – diz Vitor que abriu o nécessaire com o maior cuidado do mundo na intenção de não acordar o amigo.

- Você bebeu de novo, não é? – o fiapo Marciolo já está bem acordado agora – Você sabe muito bem que você não guarda seu anti-depressivo aqui!

Vitor faz uma careta e fica constrangido com a bronca sobre sua bebedeira.

- Você devia é tomar um daqueles remédios pra parar de beber, mas não tenho desses aqui também, na verdade agora seria um bom momento para conversarmos sobre a falta de remédios aqui na minha casa.

Vitor pensa em fechar o zíper e deixá-lo falando sozinho, mas sabe que isso só iria zangá-lo mais.

- Você tem tudo de que precisa aí!

- Eu não preciso de Fluimucil, meu nariz vai bem, obrigado! – Marciolo olha ao redor – E se eu tiver uma dor de cabeça? Hein? Hein?

- Eu compro uma Neosaldina!

- Até você ir comprar, minha cabeça pode explodir, prefiro ser um fiapo prevenido!

- Sua cabeça não vai explodir, seu capacete vai te proteger!

- Este capacete me protege de radiações perdidas no ar, não confio nessas ondas emitidas pelos celulares, microondas e afins que estão em toda parte nos dias de hoje.

- Não seja tão hipocondríaco!

- Um fiapo precisa dormir em paz sabendo que há uma Neosaldina ao seu lado!

- Você tem essa Dipirona Sódica que deve servir para a mesma coisa!

- De que me adianta ter uma Dipirona com o prazo de validade vencido?

- Está vencido?

- Há um ano! – o fiapo começa a ficar histérico, com medo de ter um troço e não ter o medicamento necessário a disposição – Você quer que eu morra por falta de uma Neosaldina?

- É claro que eu não quero que você morra!

- Então me traga uma Neosaldina!

- Você quer que eu vá comprar agora?

Silêncio, ambos se encaram por alguns minutos.

- Ok, vou indo! – diz Vitor irritado de ter que sair às duas horas da manhã pra ir comprar remédio para um fiapo.

Vitor volta uns quinze minutos depois, coloca a Neosaldina no nécessaire e observa o amigo Marciolo voltar para dentro e dormir sossegado, tenta ir fazer o mesmo e se esquece de tomar o anti-depressivo que estava em cima da mesa do computador.

Gustavo Campello

segunda-feira, 20 de junho de 2011

LEITE COM GROSELHA



Vitor começou a pensar em quando tinha começado a beber tanto, pensou na morte do seu avô, pensou na morte do seu cachorro, pensou nas desilusões amorosas, pensou em tudo o que aconteceu na sua vida até chegar a uma conclusão. Tinha começado a beber desde que pararam de vender groselha nos supermercados. Antigamente era uma coisa tão fácil de encontrar, agora era uma coisa escassa, sempre adorou tomar groselha, mais do que cerveja.

Sempre fora um viciado em groselha, recentemente descobriu uma sorveteria que tinha um sorvete de groselha que lembrava exatamente que tomava quando era pequeno, sempre que ia lá pedia este mesmo sorvete e relembrava a deliciosa groselha que não se achava mais. Viajando pro interior de Minas, Vitor encontrou um xarope de groselha artesanal, comprou e voltou pra casa com água na boca para experimentar esta iguaria. Ficou pensando se não era só no seu estado que este néctar dos deuses antigos havia se tornado esquecido devido aos novos deuses do refrigerante.

Chegou em casa e tomou uns três copos, um atrás do outro, era tão bom quanto ele se lembrava.

Então uma lembrança antiga tomou conta do seu cérebro, algo que ele havia se esquecido por completo, algo arrebatador, algo perfeito, uma coisa quase tão boa quanto sexo, algo que ele não fazia há mais de quinze anos... UM LEITE COM GROSELHA!

Foi logo para a geladeira e viu que havia uma caixa de leite ainda lacrada, era uma sorte que não havia só leite podre como sempre, abriu a caixa de leite e parou por um minuto.

“E se eu não gostar?” – pensou – “Se eu achar ruim vai estragar toda a memória que eu tenho de algo tão bom”.

Ficou olhando para a groselha e para o leite, um suor escorria pela sua testa, o que iria fazer agora? Suas mãos se mexeram quase que automaticamente, enquanto a direita colocava o leite no copo a esquerda colocava a groselha. Ficou olhando para aquele copo branco se misturando com o líquido roxo. Pegou a colher no escorredor, era uma sorte também ter uma colher limpa por ali, era quase como se o destino quisesse que ele tomasse aquilo. Misturou. O leite ficou com uma cor de rosa calcinha exatamente como ele se lembrava.

Levou o copo a boca e deu um gole.

- PERFEITO! – gritou.

Pena que não morava no interior de Minas, teria que se contentar com a cerveja quando a groselha acabasse.

Gustavo Campello

segunda-feira, 13 de junho de 2011

POR QUE JUNTO OU SEPARADO?



Por que as pessoas estão cada vez mais longe?

Por que tudo o que eu faço dá errado?

Por que a solidão me engole?

Por que eu me sinto afundando cada vez mais? Sem ar ou algo a que segurar.

Por que o passado fica cada vez mais distante?

Por que as estrelas parecem brilhar cada vez menos?

Por que a vida tem que me derrubar a todo o momento?

Por que eu acendo um cigarro atrás do outro?

Por que eu viro um copo atrás do outro?

Por que respirar é um movimento involuntário?

Por que eu odeio todo mundo?

Por que eu sou tão sensível e insensível ao mesmo tempo?

Por que eu sinto a necessidade de correr? Porque eu não sei em que direção?

Por que minha cabeça não para de pensar um minuto?

Por que “Se duas pessoas se amam uma à outra, não pode haver final feliz”?

Por que a Terra é redonda?

Por que o mundo é tão sem graça?

Por que eu vendi minha alma?

Por que é cada um por si?

Por que a vida dos cachorros é mais curta?

Por que os filmes do Tarkovski são tão parados?

Por que o hífen foi tirado da língua portuguesa? Eu vou continuar a usá-lo!

Por que os anti-depressivos não tiram nossa depressão?

Por que o Cidadão Kane não ganhou o Oscar de melhor filme?

Por que eu adoro ouvir Johnny Cash fumando um charuto?

Por que eu me sinto tão vazio?

Por que eu não corto os meus pulsos de uma vez?

Por que eu não sei se devia ter escrito “Porque” ou “Por que”?

Vitor Scaglia

quinta-feira, 9 de junho de 2011

NÃO PODEMOS MUDAR O PASSADO



Era aniversário de Beatriz, Vitor queria levá-la pra comer em algum lugar legal, queria comprar um presente caro (pensou em um livro de algum artista plástico legal, um vestido, um peixe caro para o aquário, uma jaqueta de couro, uma viagem para algum lugar perto, algum novo brinquedo), pensou que poderiam passar o dia juntos, essas coisas. Mas Beatriz não estava mais ali. Vitor havia sido idiota e agora a única coisa que conseguiu fazer foi dar uma telefonada.

Desligou o telefone e ficou pensando que aquilo não bastou, foi muito pouco para tudo o que tinha pensado e passado com ela. Do outro lado do telefone ela também deve ter ficado pensando a mesma coisa.

Ele sabia que tinha pisado na bola, sabia que diferente das histórias em quadrinhos não ia ter jeito de voltar no tempo e concertar as coisas. Tinha quebrado, quando era pequeno, um perfume do seu pai que tinha o formato de um cachimbo, lembrou-se daquele momento, de algo escorregando pelas suas mãos e o sentimento de ter estragado algo bonito. A culpa de ter deixado aquilo acontecer, a vontade de ter segurado mais firme, o pensamento de mudar o passado sempre estiveram ligado a este perfume em formato de cachimbo. Agora tudo estava diferente, o sentimento de querer mudar as coisas não estavam mais ligadas a um perfume em formato de cachimbo, estavam ligadas a sua vida.

Vitor não sabia que rumo sua vida estava levando agora, parece que tinha perdido completamente o controle de tudo. Estava apenas lendo livros, escrevendo seus textos e indo para o trabalho, de resto não fazia mais nada. Parou de cozinhar, lavar louças ou roupas já fazia algum tempo.

No fim do dia, ficou sentado no ponto do ônibus olhando os mesmos passarem e toda vez que o ônibus que levava a casa de Beatriz passava um calafrio percorria todo o seu corpo. Foi até a casa de sua irmã Úrsula neste dia, ficou conversando e brincando com o seu sobrinho até a uma da manhã, mas não adiantou muito, seu pensamento estava em outro lugar.

Dias depois ele viu as fotos de Beatriz no aniversário, no Facebook de um amigo, estava usando o vestido que ele havia dado no natal, estava sorridente e parecia muito mais bonita do que ele se lembrava.

Gustavo Campello

segunda-feira, 6 de junho de 2011

PREFERÊNCIA



Vitor e Jorge estavam em um bar, tomando uma cerveja e comendo amendoim.

- Qual o seu personagem preferido dos Flintstones? – Pergunta Jorge

- O Barney – diz Vitor – mas não me pergunte por que, acho que é porque ele fala engraçado.

- Da liga da Justiça?

- O Maxwell Lord – pensa Vitor – não depois que transformaram ele em um vilão, mas na época em que ele era um cara legal.

- Transformaram ele em um vilão?

- É, ninguém se importa muito com ele, lado B demais, a maioria das pessoas nem sabe quem ele é, mas eu curtia ele, maquiavélico, manipulador e gente boa ao mesmo tempo.

- E dos X-Men?

- O Ciclope, com certeza. Coloca o Wolverine no chinelo!

- Eu sempre gostei da Psilocke e do Arcanjo – diz Jorge – e do Jornada nas Estrelas?

- A série clássica?

- É!

- O Spock, lógico. Quem não prefere ele? É uma pergunta idiota, mesma coisa em Star Wars, quem preferir o Luke ao Han Solo é um tremendo bundão!

- E da Nova Geração?

- O Chef O’Brien, porque ele é irlandês.

- Pfffffff! – Jorge toma um gole da cerveja – e dos Beatles? Qual seu Beatle preferido?

- George Harrison – diz Vitor sem pensar – se tem algo que uma pessoa tem que ter na ponta da língua é o seu Beatle preferido e o seu preferido dos três patetas!

- Sério? – pensa Jorge – não sei se tenho um três patetas preferido.

- Tem que ter, o meu é o Moe! A maioria prefere o Curly, então se alguém perguntar vai pela maioria e responda Curly rápido.

- Vou fazer isso enquanto não tenho uma resposta para o assunto.

Os dois ficam ali sem assunto por um tempo, Jorge pensa em alguma pergunta, mas a cerveja não ajuda.

- Se você tivesse que escolher uma dessas duas pra comer – diz Jorge pensando – comia a Gretchen ou a Rita Cadillac?

- Rita Cadillac com certeza!

- Thundercat preferido?

- Tygra!

- Do He-Man?

- A Teela, sempre achei ela gostosa!

- Preferência nacional?

- A Luciana Vendramini!

- Pensei que você ia dizer bunda!

- Não! O tempo passa, o tempo voa, mas a Luciana Vendramini continua uma boa!

- Um brinde a isto!

E eles brindaram.

Gustavo Campello