sexta-feira, 29 de julho de 2011

O SIAMÊS



Vitor olhou para o lado e viu que havia uma outra cabeça igual a sua grudada em seu corpo do lado esquerdo, podia movimentar apenas o braço direito e deduziu rapidamente que a outra cabeça podia controlar o “seu” braço esquerdo.

Um sentimento de nojo do próprio corpo deformado e um desespero de estar grudado a outra pessoa tomou conta de Vitor, ficou horrorizado com o que estava acontecendo com ele. Tentou dar um murro na outra cabeça que parecia também estar horrorizada com a situação.

Recebeu um tapa na cara da outra cabeça.

- Pare de tentar me socar – ela disse para Vitor – eu não gosto desta situação tanto quanto você.

Vitor foi arrastando sua perna direita, a única que controlava agora, até a geladeira e pegou uma cerveja com sua mão direita. Rapidamente a mão esquerda foi pegar outra latinha e levou uma pancada.

- Esta cerveja é minha seu filho da puta!

- Sua o caralho, eu comprei também!

Vitor apoiou a latinha na pia e abriu apenas com uma mão, deu um gole e começou a pensar o que diabos poderia estar acontecendo. Nada daquilo fazia sentido, sentia medo, um arrepio percorria toda a sua espinha que agora bifurcava em dois pescoços.

A mão esquerda roubou sua latinha e a outra cabeça deu uma golada. Aquilo foi a gota d’água para ele. Deu um soco na outra cabeça e recebeu outro em troca, começaram uma briga sem precedentes, uma cabeça começou a empurrar a outra cada vez com mais força, cada vez com mais raiva, seu corpo começou a rasgar em dois, a coluna vertebral começou a se dividir cada vez mais, órgãos começaram a cair no chão e o desespero e o nojo eram cada vez maiores. Vitor sentia vontade de chorar, de gritar e de morrer rápido. Sentir a dor dos órgãos e a viscosidade do sangue eram demais para ele.

Vitor acordou na sua cama depois de ter o pior pesadelo de sua vida, um suor gelado escorria por todo o seu corpo, tinha dormido pouco, mas achou melhor ficar no computador acordado, estava com medo de voltar a dormir.

Gustavo Campello

quinta-feira, 21 de julho de 2011

PRESENTE



Vitor saiu do trabalho mais cedo e foi pra São José do Rio Pardo visitar sua filha. A viagem era de três horas e o ônibus ainda fazia uma parada no meio do caminho pras pessoas poderem ir ao banheiro. Fazia quatro anos que ele não viajava até lá, era sempre ela que vinha para sua cidade. Seus pensamentos ficaram presos ao passado, de sua pseudo-vida em família que parecia funcionar muito bem para ele. Lembrou-se de quando ela era apenas uma garotinha e não uma adolescente beirando aos quatorze anos.

Lembrou-se de como o caminho era bonito de dia, mas agora a noite não dava para enxergar nada da paisagem. Sentiu-se melancólico.

Chegando à cidade Vitor errou o ponto e desceu no posto de gasolina errado, foi andando cerca de um quilometro e meio até o posto que devia ter descido, no caminho foi sentindo o ar da cidade, era um ar limpo, com cheiro de mato e lá no fundo podia sentir um esterco de vaca que dava um aroma delicioso a cada respirada, encheu os peitos e foi andando com as forças renovadas. Ele achou que ia se sentir estranho chegando à cidade, mas não foi ruim como imaginava, recordações passavam a mil pelo seu cérebro, mas podia lidar com elas.

Chegando ao posto encontrou Bianca, sua princesa, esperando por ele. Estava sempre maior do que da ultima vez.

- E sua mãe? – perguntou ele.

- Vai trabalhar até tarde de madrugada.

Elize trabalhava que nem uma louca na única grande empresa da cidade, ganhava um dinheirão, por isso Vitor não tinha que se preocupar em mandar pensão, na verdade era ele que precisava de uma. Chegando à casa nova onde elas moravam viu um porta-retrato onde tinha uma foto dele com a filha, seus olhos lacrimejaram e pensou que talvez tivessem colocado a foto ali porque sabiam que ele vinha. Depois quando ela não estava olhando percebeu que o porta-retrato continha bastante pó, portando sua foto deveria ficar ali mesmo.

No quarto dela, continha algumas lembranças do passado, todos os presentes que ele havia comprado ainda deviam estar ali, mas em destaque, em uma caixa cor de rosa, havia os mais de quarenta gibis que Vitor escrevia e desenhava para ela quando ainda era uma criança, onde contava as aventuras da Senhorita Cor de Rosa, uma super heroína que nada mais era que o alter ego de sua filha que lutava com uma pizza monstro, um mandruvá gigante e um vampiro idiota. Leu todos os números e se surpreendeu de como ainda os achava engraçados.

- Não sabia que ainda guardava isso – disse ele sobre os gibis.

- São top!

Agora era assim, cheia de gírias. “Que top!” significava que o negócio era legal demais, “Que paia!” significava que o negócio era chato demais.

Passou a noite inteira ensinando matemática para ela, mas percebeu que muita coisa nem ele conseguia fazer, não se lembrava ou nunca tinha aprendido mesmo. Fazia economia na faculdade, mas nem sequer tinha noção de algumas coisas básicas.

Ela foi dormir e Elize chegou tarde, ficaram conversando até tarde da noite sobre os velhos tempos como velhos amigos. Sentiu-se bem e dormiu em uma cama que era menor do que a metade da sua. No dia seguinte tentou acordar Bianca de qualquer jeito, Elize já havia saído para trabalhar, fingiu que a casa estava pegando fogo, jogou o cachorro para lamber sua cara, tirou-lhe as cobertas, mas a menina nem se mexia, tinha um sono de pedra.

Almoçaram juntos, se despediram e Vitor voltou para sua vidinha naquele mesmo dia.

Gustavo Campello

domingo, 10 de julho de 2011

AUSENTE



Vitor tomou coragem e ligou para sua filha.

- E aí Princesa?

- Oi pai!

- E aí? Como andam as coisas?

- Porque você some?

Não era bem um esporro, mas ele se sentiu péssimo por ter sumido de novo.

- Trabalhando muito – era a desculpa esfarrapada dele.

- Certo – disse a menina fingindo que acreditava.

Vitor queria dizer o quanto sentia muito, o quanto a vida não havia saído como ele planejara e que ela não tinha culpa nenhuma disso. Tentava manter-se distante porque achava que era melhor para a menina, pensava que não tinha como fazer bem nenhum para a menina por causa da vida que levava. Um bêbado depressivo é como Vitor se define para ele mesmo, mas a questão é... Ele levaria esta vida se estivesse mais próximo dela? Ele se definiria assim com ela por perto? O problema de Vitor é achar que faz mal para as pessoas que vivem perto dele, não liga de ficar mal vivendo longe delas, acha que é melhor assim.

- Quando você vai vir me visitar? – pergunta a menina que mora em uma cidade distante – você ainda não conhece minha casa nova.

- Prometo que vou mês que vem – diz Vitor pensando no dinheiro escasso que não dá nem pra viajar.

Com a promessa o ânimo da menina já muda, ele percebe que ela fica mais feliz, porque ela sabe que quando o pai promete alguma coisa, ele cumpre.

Vitor lembra que ainda não deu um presente de aniversário para ela e vai ter que providenciar, mais uma grana que vai ter que achar em algum lugar, apesar de que o mais difícil vai ser comprar um presente em si.

- Avise a sua mãe que eu vou praí então!

- Pode deixar, ela perguntou de você ontem.

- E o que você disse?

- Que você tinha sumido de novo!

- Sinto muito Princesa, a vida não saiu como eu planejei e você não tem culpa nenhuma disso.

Ele se sentia mais leve, seus olhos se encheram de lágrimas e antes dos créditos da ligação acabar conseguiu ouvir ela dizer:

- Pai, eu te...

Gustavo Campello

domingo, 3 de julho de 2011

A PÁGINA EM BRANCO



Será que toda página em branco incomoda os escritores como incomoda a mim?

Posso ficar horas em frente a uma delas, encarando-a e me sentindo incomodado, querendo preenche-la. É um problema quando nada vem à mente, nem uma idéia sequer. Quero escrever, algo interessante, algo que venha do meu íntimo, mas só vem rabiscos, desenhos e coisas sem sentido.

Coço a barba, tomo meu Gin Tônica e quero preenche-la com qualquer coisa, não importa se seja boa como Joyce ou ruim como Cury. Só quero vê-la preenchida. Divagar sobre coisas corriqueiras ou imaginar o futuro da humanidade, me embrenhar em terrenos nunca antes desbravados ou qualquer outra merda que venha a cabeça.

Mas a página continua em branco.

Nenhuma idéia passa pela minha cabeça, me sinto anestesiado pela bebida, o que é estranho já que a bebida sempre costuma a ser o fruto das minhas idéias.

Começo a pensar se existiu algum escritor famoso nascido em minha cidade, muitos diriam que estou ficando senil. Como pude esquecer-me de Hilda Hilst? Mas sinto informar, Hilda Hilst nasceu em Jaú como muitos desconhecem.

Quem sabe não sou eu o escolhido?

Como um pedaço de frango pra tentar tirar o efeito do álcool do meu sangue, mas é tudo em vão, os remédios e as bebidas se misturaram já há muito tempo no meu organismo, no meu sangue, no meu cérebro, no meu metabolismo. Tudo roda a minha volta, vejo ninfas dançando um sapateado irlandês em cima e dentro do meu aquário. Leprechauns invadem o apartamento e logo estupram as ninfas com o som do The Pogues tocando ao fundo. As pobrezinhas ficam lá arfando depois que eles se vão.

Dou risada, a página ficou quase toda cheia no final das contas. Me sirvo de mais um pouco de bebida e vou assistir a alguma putaria em DVD.

Vitor Scaglia