sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

VAGANDO NO ESPAÇO DE DIVAGAÇÕES (EPÍLOGO)



“Viver é a coisa mais rara do mundo.
A maioria das pessoas apenas existe.”
Oscar Wilde

Tento quebrar o vidro do meu capacete em um último ato melodramático. Tento abraçar a morte de uma maneira eloqüente. Bato com as mãos no vidro incessantemente até me cansar. O vidro continua intacto.

Não vai ser da maneira que imaginei.

Vai ser da maneira difícil.

Desisti de esperar a morte, resolvi ir de encontro a ela. Não acho que existe algo de antiético e amoral em relação a isso. Quem quiser me julgar que fique a vontade.

Abro o meu capacete e sinto todo o ar me deixar, não apenas o ar de dentro da roupa, mas o ar de dentro de mim também. Não consigo respirar e vou me afogando no vácuo bem mais devagar do que eu imaginava.

Enquanto morro, percebo que aquele papo de toda a sua vida passando diante dos seus olhos é verdade. Penso em amor, perdão, crescimento, respeito, heroísmo, paixão, animais, fantasmas, manipulação, infinito, maldade, música, espera, descendência, esperança, extraterrestres, mulheres, futilidades, solidão, conexão, tédio, religião, decepção, acidentes, amizade, saudades, indecisões, vícios, romance, trabalho, depressão, angústia, infância, rejeição, conforto, desejo, excitação, alucinação, cansaço, conseqüências, culpa, envelhecer, suicídio, sexo, nada, morte, iluminação e libertação.

Estou livre.

Sou perfeito.

Estou morto.

Tudo escurece.

A cortina cai.

Finalmente o fim.



“Em memória ao Astronauta Desconhecido
cujas últimas divagações foram ouvidas
pelos irmãos Judica-Cordiglia em 1961.
Descanse em paz. Você não será esquecido.”

Gustavo Campello

domingo, 20 de janeiro de 2013

DIVAGAÇÕES SOBRE A LIBERTAÇÃO



“Mas onde se deve procurar a liberdade é nos sentimentos.
Esses é que são a essência viva da alma”
Johann Goethe

Se um passarinho é criado a vida inteira dentro da gaiola, dizem que ele não sobrevive se você o soltá-lo, mas talvez as horas em liberdade sejam os únicos momentos da sua existência que tenham valido a pena.

Vivemos sob grilhões invisíveis. Somos escravos de nós mesmos. Colocamos grades nas janelas para deixar o perigo lá fora, mas somos nós que perdemos a liberdade. Somos como passarinhos na gaiola, mas e se resolvermos ir viver lá fora? Será que não sobreviveremos? Será que não valerá à pena?

É somente na completa solidão que conseguimos nos entender completamente. Já dizia Fernando Pessoa que um homem que não pode viver na solidão é escravo das outras pessoas... Algo assim... Sempre fui escravo das outras pessoas. Deixei de fazer muita coisa e de sonhar com inúmeras possibilidades por causa dos outros. Achava que devia algo a meus pais, meus irmãos, amigos e namoradas. Deixei de viajar pelo mundo com uma mochila nas costas para que eles não ficassem preocupados comigo. Deixei de prestar assistência humanitária em guerras para que eles não tivessem que me enterrar, deixei de enxergar a vida com menos responsabilidade porque achava que eles esperavam demais de mim... E talvez esperassem.

Mas e o que eu esperava de mim?

Ah, eu esperava muito mais.

Muito mais felicidade, amor, dinheiro, realização, fraternidade, respeito, atenção, carinho e muitas outras coisas que tive, mas não na medida em que eu esperava. Não na medida em que eu queria.

Agora, aqui no espaço, eu sou livre. Alcancei minha libertação de tudo e de todos e agora tenho que encarar e abraças a morte com a mesma intensidade que busquei a liberdade, porque senão o ciclo não estará completo.

A morte não é a libertação de tudo, você pode se libertar dos grilhões invisíveis e continuar vivo. Eu apenas dei azar. A libertação deve vir antes da morte e não com ela. Agora eu entendo.

É preciso estar atento aos sentimentos para saber o que você quer. Quem você é.

Eu sou um astronauta, que ama a humanidade, que queria estar naquele planeta cheio de problemas e viver uma vida plena, feliz, cercado de pessoas com quem me importo. A felicidade só é possível cercado dessas pessoas, mas é preciso entender que elas não são necessárias, pois um dia elas vão embora e sua vida vai continuar sem elas. Vão morrer ou seguir caminhos diferentes. E é nessa hora que é preciso entender que por mais que elas sejam especiais e você as ame, é preciso abrir a porta da gaiola e deixá-las voar.

Vocês que me amam. Todos vocês. Agora é à hora de abrir a porta da minha gaiola e me deixar voar.

Estou livre.

Obrigado.

Gustavo Campello

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

DIVAGAÇÕES SOBRE A ILUMINAÇÃO



Jesus Cristo pode não ser filho de Deus no sentido de concepção, na verdade isto sempre pouco importou pra mim, o que realmente importa é que ele era uma pessoa iluminada.

Pregar o amor em meio a tanta desgraça e mesquinharia humana não é pra qualquer um.

Sidarta Gautama, mais conhecido como Buda, abandonou família e riqueza para mendigar e ir em busca da tal iluminação com 29 anos. Teria alcançado seu objetivo aos 35 anos após meditar durante 49 dias seguidos. Acho que isto é tudo o que eu devo ter lido sobre Buda.

Devo ter assistido algum filme sobre ele também, mas agora não me lembro de nada.

Não. Era um filme sobre o Dalai Lama. Agora me lembro.

O criador do aikido também parece ter encontrado a iluminação, lembro de um vídeo onde o velinho conseguia empurrar com uma força vinda não sei da onde uma porção de homens. Era impressionante de ver.

Tem uma música do Rollins Band sobre isto também:

“Às vezes eu desejo não saber o que sei agora
Pensei, pensei, até perder minha mente
Olhei, olhei, até quase ficar cego
O caminho é justo, mas tão cruel
Iluminação” *
           
A iluminação pode vir simplesmente ao contemplarmos o mundo, entender em como tudo está enrolado em uma imensa teia invisível. Se Deus existe ou não pouco importa. As perguntas realmente importantes ninguém faz e eu ainda não sei quais são.

Talvez se eu tivesse mais tempo...

Pessoas iluminadas aparecem sempre felizes, acho que nunca vi uma imagem do Dalai Lama onde ele não estivesse sorrindo.

Como estar sempre sorrindo em um mundo como este?

Qual o segredo?

Eles devem saber de algo que estamos muito, mas muito longe de descobrirmos.

A vida é curta e devo ter passado a maior parte dela sem sorrir. Tento sorrir agora, mas sai como algo falso, forçado e idiota.

Como sorrir com espontaneidade?

Tento lembrar dos momentos felizes: Meu dedo furando um bolo de aniversário, banho de esguicho com meus irmãos, ganhei meu primeiro cachorrinho, uma moeda apareceu embaixo do meu travesseiro depois de eu colocar o meu dente que havia caído no dia anterior, sexo pela primeira vez, meu irmão me ensina a dirigir, gasto o meu primeiro salário em um CD do David Bowie, completei meu primeiro álbum de figurinhas, minha irmã conta histórias pra eu dormir, sexo pela segunda vez, o abraço do meu avô, piquenique com Silvana, viagem com meus pais e irmãos, brinco com meu pai no corredor, minha mãe corta as minhas unhas... E sorrio.

Gustavo Campello

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* Texto em itálico é o trecho da música Illumination (Rollins Band)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

DIVAGAÇÕES SOBRE A MORTE



Tudo morre.

Até uma pedra morre, chega ao seu fim. Um dia tudo isto desaparecerá e vai se tornar poeira. Pode demorar milhares e milhares de anos, mas tudo tem o seu fim.

Tudo.

Quando o meu avô morreu achei que minha vida havia perdido o sentido. Ele era a única pessoa que me ouvia, que me conhecia e que me entendia. Perdi um amigo acima de tudo. Não aceitei a morte, praguejei contra Deus e o destino das coisas. Depois dele a minha vida foi uma sucessão de enterros. Amigos, amores, irmão, parentes e a lista só foi aumentando.

Começo a achar que eu estava destinado a aceitar a morte, esta era a grande lição que eu devia aprender em vida. Não aceitar a minha morte em especial, mas a morte como uma conseqüência da vida. Ela não é um bicho de sete cabeças como imaginei quando meu avô morreu.

A morte é vista como algo muito pesado e complicado pela cultura ocidental, tentei abrir minha mente depois de nadar tanto tempo contra a maré e me recusar a encarar um sentido em tantos funerais. A morte na verdade é algo belo... é o fim de um ciclo. É o pulo final rumo ao desconhecido.

Aprendi minha lição neste mundo talvez cedo demais, talvez por isto esteja agora morrendo tão cedo. Talvez não haja mais nada para aprender agora... Nada que eu deva aprender pelo menos.

A morte não me assusta mais.

A morte de entes queridos já não me assusta mais há algum tempo.

E não é porque eu virei uma pessoa apática que não liga para nada, muito pelo contrário. Aprendi apenas a ver beleza onde poucas pessoas têm coragem de olhar com a profundidade necessária.

A morte não é escuridão. A morte é luz.

A morte não é desespero. A morte é tranqüilidade.

A morte não é tristeza. A morte é felicidade.

Muito me espanta que a maioria das pessoas que se dizem cristãs tenham tanto medo da morte. Acho que no fundo as pessoas só se dizem cristãs porque não entendem direito a própria religião. Digo cristão porque eu sou cristão, mas as coisas devem ser iguais em quase todas as religiões por aí.

Mas a pergunta que eu ainda não me fiz é: Eu quero morrer?

Eu posso aceitar a morte e lidar muito bem com ela, mas é algo que eu quero?

Não quero morrer.

Durante muito tempo talvez eu quisesse, mas hoje em particular, neste momento da minha vida... Não. Eu não quero morrer.

Quero poder acordar amanhã e ver que tudo não passou de um pesadelo. Olhar o Sol no céu e as nuvens caminhando pelo vento. Ouvir o cantar dos pássaros. Numa cena clichê de um filme da Disney. Quero poder fazer tudo isto e ainda ter um café da manhã digno de um comercial de margarina.

Eu vou morrer hoje. Não há nada que eu possa fazer.

- Me desculpe, Rachel – digo algo em voz alta pela última vez.

Gustavo Campello

sábado, 5 de janeiro de 2013

DIVAGAÇÕES SOBRE O SEXO



Eu estou prestes a morrer e faz já um bom tempo que só penso em sexo.

Sexo é uma coisa boa e uma coisa ruim ao mesmo tempo. Boa porque não consigo pensar em nada melhor que exista. Ruim porque acaba controlando nossas vidas em um nível que nem sequer temos noção.

Sexo é um instinto primário... Primitivo. Sentimos atração por uma garota pela sua forma física, não importa se ela é inteligente, legal, simpática e engraçada. As qualidades reais da pessoa vêm depois. Podemos conhecer uma gostosona e depois descobrir que ela é chata, paciência, damos um fora e tudo bem. O que eu quero dizer é que a atração física, sexual, vem em primeiro lugar sem que percebamos.

Instintos animais de procriação, quase uma coisa nazista, horrível, mas que infelizmente existe e fingimos que não percebemos. Ninguém olha pra uma garota feia e pensa “Ela deve ser legal!”.

Mas o que é uma garota feia?

Existe?

O que é bonito pra um pode ser feio pra outro.

Essas modelos magrelas que irradiam a bulimia como o Sol irradia a luz... Pelo amor de Deus! Isto não me chama a atenção.

Top model número um do mundo! Foda-se! Eu não chegaria nela em um bar nem hoje, nem nunca!

Ser feio é relativo.

Eu posso ser feio pra uma pessoa e lindo para outra.

Uma vez o meu barbeiro me disse uma frase que é a mais pura verdade:

“Não importa o quão feio você seja, vai ter sempre uma mulher bonita que te acha lindo!”

Eu acho que é verdade, porque a bonita pra mim é relativa como é pra você.

Pra você?

Com quem diabos estou conversando dentro da minha cabeça?

O que quis dizer quando disse “pra você”?

Estes são só meus pensamentos, ninguém está ouvindo, eles vão sumir como vapor quando eu morrer.

Só queria transar uma última vez.

Sentir aquela explosão de sentimentos que não conseguimos explicar.

Sexo.

Não ligo de ser um animal irracional quando o assunto é sexo. Não ligo em ceder a instintos mundanos. Sou um bicho, um animal como qualquer ser humano na Terra.

Eles podiam ter feito esta roupa com um pouco mais de mobilidade.

Eu realmente queria muito fazer sexo uma última vez.

Gustavo Campello