terça-feira, 27 de setembro de 2011

O EXAME



Vitor estava sentindo uma dor horrível onde supostamente ficava o seu fígado, ele sempre achou que o fígado ficava em outro lugar, mas aparentemente estava enganado. Foi até uma consulta médica, dificilmente ele entrava num desses consultórios, odiava essas coisas, mas não conseguia mais nem dormir a noite de tanta dor que não teve jeito.

Depois de uma conversa com o médico e alguns exames poderia ser duas coisas, algum problema no tórax ou cirrose mesmo. Vitor não achava que bebia tanto assim, a maioria das pessoas que morriam de cirrose bebiam mais que ele e passaram dos cinqüenta anos. O médico pediu uma ultrasonografia, ele teve que ficar seis horas bebendo água sem ir ao banheiro para fazer esse exame.

Uma médica bonitona pediu para ele entrar, o fez deitar em uma maca, abriu o seu cinto, desabotoou sua calça e Vitor pensou que era o seu dia de sorte, porém um médico meio afeminado entrou na sala e a médica que devia ser uma enfermeira foi-se embora. O médico passou um gel na sua barriga e colocou um aparelho pra ver as coisas, passou por todo o corpo e pedia pra ele respirar e segurar o ar, Vitor só pensava em sair dali e beber uma cerveja.

- Pode se levantar – disse o médico.

- E então? – perguntou Vitor tirando um sarro – é menino ou menina?

O médico parecia não ter senso de humor.

- O resultado do exame fica pronto na semana que vem – disse o médico que devia estar cansado dessa piada – só posso adiantar que você tem uma pedra no rim, mas ela não está se mexendo, por isso não está doendo.

- COMO É QUE É?

- Uma pedr...

- Eu ouvi da primeira vez – Vitor estava puto, era por isso que evitava ir ao médico – escuta aqui, eu vim ver meu fígado, você não tinha nada que xeretar na porra do meu rim!

- Bem...

- Agora qualquer coisinha vou ficar pensando nessa merda de pedra, se sentir uma dor porque caí de bunda no chão enquanto estava bêbado vou acordar no dia seguinte pensando que é a merda da pedra e é tudo culpa sua que fica xeretando no rim dos outros seu enxerido filho da puta!

Por fim Vitor foi retirado de lá pelo segurança e foi beber uma cerveja, daí sentiu a dor no fígado e resolveu nem ir buscar os exames, vai que o negócio era sério.

Gustavo Campello

domingo, 18 de setembro de 2011

UMA CRÔNICA COM AÇÃO ELETRIZANTE



Vitor foi conversar com um editor que estava analisando suas crônicas para uma possível publicação.

- Bem, as crônicas são interessantes – a sobrancelha dele se levantou e Vitor ficou esperando pelo “mas...” – mas me parece que elas são todas meio iguais.

- Iguais?

- Isso, o personagem sempre bebe alguma coisa, fica bêbado e faz alguma merda se lamuriando.

- Talvez porque ele seja um alcoólatra depressivo – disse Vitor defendendo sua obra.

- Certo, certo... Mas talvez se tivesse alguma coisa mais eletrizante, mais empolgante...

“Quem diabos é esse cara?” – pensou Vitor – “mais eletrizante? O que diabos ele acha que eu escrevo? Roteiro pra Hollywood?”

- Olha cara – Vitor estava juntando os seus papéis já – eu escrevo sobre a vida real, as vezes ela é um porre, mas é assim que é.

- Bem, não precisa ir saindo, talvez possamos...

- Escuta aqui – Vitor já estava irritado, precisava tomar um trago e o sujeito tinha conquistado sua antipatia – quando eu tiver algo mais “eletrizante” eu procuro você.

- Certo, certo...

Vitor saiu pela porta a procura do primeiro bar que aparecesse na sua frente. Ele gostava do que escrevia, as pessoas pareciam gostar também, ou fingiam muito bem. Não ligava se ele era um grande clichê da literatura, não ligava se não conseguia escrever nada “eletrizante”, não ligava se ninguém fosse publicar sua obra. O importante era continuar escrevendo, não sabia também porque isso era importante, mas era a única coisa que fazia sentido na sua vida. Se ele não pudesse escrever, então preferia estar morto, sua vida não valeria mais nada.

Pensou que gostava muito de escrever alguns contos de ficção científica, mas até esses não tinham nenhum tipo de ação eletrizante, eram parados como se você estivesse assistindo Stalker ou Solaris, o importante era a mensagem e não personagens atirando um no outro.

Sentou-se no bar.

- O que vai ser? – perguntou o cara do balcão.

- Ah, que se foda o clichê – falou ele – vê uma cerveja!

Então quatro sujeitos entraram no bar e renderam todo mundo com armas em mãos – Quero a carteira de todo mundo – disse um deles.

- Estamos num boteco – disse Vitor – isto não vai funcionar...

Gustavo Campello

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

UMA MADRUGADA QUALQUER



- Escrever é bem foda, me destrói as vezes – Vitor disse para si mesmo.

Era três e meia da manhã, Vitor estava escrevendo dois contos, um sobre as baleias no mercado de trabalho e outro sobre ódio, fora o livro que precisava se manter bêbado pra escrever. Entrou no Facebook e viu que sua filha estava on-line.

- O que diabos você está fazendo acordada a esta hora, Bianca? – escreveu ele nervoso.

- Dormi da uma até as seis e meia da tarde – respondeu ela.

Que tipo de autoridade tinha sobre ela? Parecia-se cada vez mais com ele, iria trocar os dias pela noite também? Lembrou-se de quando tinha a sua idade e dormia bem tarde também, nas noites de frio, com dó do seu cachorro, ficava acordado pra ele poder ficar aquecido dentro de casa, quando amanhecia colocava-o para fora e ia dormir.

- Mas se continuar acordada não vai conseguir prestar atenção na aula amanhã – foi incisivo, tentou manter uma postura de pai.

- Amanhã não tenho prova – disse ela – hoje fiz a de matemática e acho que consegui tirar mais que dois.

E agora? Ele devia dizer parabéns ou dizer que ela precisava estudar mais? Na ultima vez que há viu ela havia tirado meio em matemática, tinha dificuldade nesta disciplina, assim como ele havia tido ao longo dos anos escolares.

- Parabéns – resolveu dizer ele – Vamos ver se consegue tirar cinco até o final do ano.

Vitor abriu mais uma garrafa de cerveja e conversou com seu amigo Adamastor pela internet também.

Nada do que estava escrevendo ia para frente. Sua filha resolveu ir tentar dormir e Adamastor deve ter ido bater uma olhando fotos de alguma amiga de infância que tinha adicionado no Facebook recentemente. Sentiu-se sozinho.

Tinha acabado de assistir Glória Feita de Sangue do Kubrick e estava empacado no meio do livro E o Sol Também se Levanta do Hemingway. Estava sendo uma madrugada estranha. Não queria ir trabalhar no clube amanhã. Resolveu ir até o pronto socorro e inventar uma caganeira para pegar um atestado médico.

A cerveja havia acabado.

- Droga!

Não havia nenhum lugar aberto para se comprar cerveja por ali. Ficou olhando o aquário, pensou em quem não devia, seu coração se apertou e tomou um gole de vodka. Lembrou-se que havia duas calças jeans na maquina de lavar úmidas.

“Que apodreçam lá dentro” – pensou.

John Wayne havia lhe dito "Tente não se culpar, pode acontecer com todos os homens. Bons ou maus. A mulher lança um arpão em você e você vai aonde ela o puxa." quando ele assistiu A Lenda dos Desaparecidos. Tentava se ater a este sentimento, tentava parar de sentir culpa.

Fumou um cigarro, bebeu um gin, olhou a Poderosa em uma revista antiga da Liga da Justiça Europa, bateu uma, deitou no chão e dormiu.

Gustavo Campello