segunda-feira, 30 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A ESPERANÇA



Em Memória de Jerry Garcia

“Nossas Orações estão com você” – é a primeira mensagem transmitida pelo código Morse da estação espacial, seguida por: – “Você não será esquecido”

Sinto uma angustia no peito, um aperto que é a esperança que se esvai do meu corpo. Pela primeira vez me dou conta de que não há realmente chance nenhuma de um resgate milagroso como em filmes de Hollywood. Dizem que a esperança é a última que morre, então me pergunto, como é possível que eu ainda esteja vivo?

Este caminho é somente para meus passos, uma estrada destinada para mim entre o Sol e a Lua. Na vida, quando você cai, você cai sozinho e raramente existe alguém ali para te ajudar a levantar. Estou caindo em um abismo infinito sem criar ondulações no ar porque meu desfiladeiro é a vácuo. Se eu soubesse o caminho eu voltaria para casa.

Minhas divagações são de segunda mão, elas já foram pensadas antes, talvez fosse melhor que eu deixasse meu cérebro vazio.

A esperança se foi... Posso ver ela ao longe, piscando em código Morse. Sinto-me vazio. Estendo a mão para tentar alcançar a luz que pisca em vão.

Tenho vontade de gritar.

Grito.

O que é um homem sem esperança?

O que sobra a partir daí?

Volto a pensar na lesma andando pelo fio de uma navalha, tendo o seu corpo dilacerado aos poucos. É como me sinto. As lesmas deixam um rastro por onde andam, um caminho de muco que serve para que ela possa voltar de onde veio. Gostaria de ter uma estrada de tijolos amarelos para seguir e poder voltar para casa. Fico imaginando uma lesma tentando voltar para casa depois de uma tempestade, o muco lavado pela chuva, fazendo com que as esperanças de encontrar seu lar diminuam consideravelmente. O medo de encontrar moleques malvados com um sal de cozinha pronto para destruí-la. Antigamente caçadores esmagavam lesmas no cabo de suas lanças para que ficassem grudentas, diminuindo assim as chances de perdê-las em batalhas. Pobres lesmas sem esperança.

A esperança é algo frágil como uma flor, pode ser destroçada em segundos, como a flor Kadupul que cresce no Sri Lanka. Esta flor é tão frágil que vive apenas algumas horas, floresce por volta da meia noite e morre durante a madrugada. Imagine você ter uma vida inteira na escuridão, não ter tempo de se acostumar a sentir as coisas a sua volta, sem sonhos, desejos ou mesmo esperança de durar muito. A flor Kadupul é como um recém nascido que morre na incubadora. Não gosto desta flor, fizemos umas experiências com ela na estação espacial. Sua fragilidade, sua vida curta e sua brancura contrastante com o fundo negro do universo, que é agora o meu caixão, são coisas que me deprimem.

Gostaria de acreditar em um resgate miraculoso novamente, nem que fosse por cinco segundos. Gostaria de ter esperança de novo.

Gustavo Campello

quarta-feira, 25 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A DESCENDÊNCIA



Eu acordo de manhã e vejo Rachel dormindo ao meu lado, estamos casados há exatamente cinco anos, não consigo me cansar de observá-la enquanto dorme. Posso ficar assim durante horas. Ela acorda, abre os olhos lentamente e me da um sorriso.

- Ela já acordou?

Não faço a mínima idéia do que ela está falando.

Seu rosto começa a se desfazer e dar lugar para as infinitas estrelas no fundo preto que é o universo. Já comecei a sonhar acordado.

Não é sono nem cansaço, mas um efeito colateral do desespero. Apesar de estar flutuando em um espaço gigantesco estou tendo espasmos claustrofóbicos por causa da roupa. Sinto frio durante alguns minutos e logo depois sinto calor e vontade de ficar pelado. Tento me manter controlado, mas é cada vez mais difícil.

- Quem já acordou? – eu respondo – do que você está falando?

- Danika – ela responde – nossa filha?

- Nossa filha?

Eu não tenho uma filha ou um filho ou qualquer tipo de descendência. Tudo o que eu fiz, termina em mim.

Porque isto me incomoda agora?

Pra que colocar uma criança em um mundo caindo aos pedaços?

Colocamos nossos sonhos que não se realizaram, nossos desejos não consumidos e nossas expectativas inalcançáveis em crianças que nada tem haver com tudo isso. Somos monstros escondidos nos armários de nossos filhos.

Tento voltar ao sonho acordado sem sucesso. O rosto de Rachel se desfaz com o brilho das estrelas e tento imaginar porque nossa filha chamava Danika. Como ela seria?

Um sentimento egoísta invade meu peito e penso que deveria ter tido uma filha, mas tento pensar em uma razão lógica para ter tomado este passo em minha vida e nada vem a minha mente. Não existe um motivo.

Somos produtos de uma sociedade depravada com sonhos que nossos pais enfiam em nossos cérebros. Não que eu esteja reclamando. Mas creio que não seja muito saudável para ninguém crescer assim e talvez seja por este motivo que somos tão pouco suscetíveis as frustrações da vida. Uma criança que nascia nos primórdios da humanidade não tinha escolha, ela teria que ser um caçador para poder alimentar sua família, ponto, fim de história. Opções demais estragaram como as coisas deveriam ser.

- Você está passando bem? – ela pergunta colocando a mão na minha testa para medir a temperatura.

- Sim – eu respondo segurando sua mão – só gostaria que você descrevesse nossa filha para mim.

- Bagunceira, brincalhona, cabelo preto e curto...

- Não consigo te ouvir – eu digo tentando prestar atenção no sonho.

- Organizada, emburrada, cabelo longo e loiro...

Estou perdendo o foco, por um momento acho que vou desmaiar, mas acordo repentinamente com a adrenalina a mil por causa de uma luz forte vindo da estação espacial ao longe... Ela pisca... Código Morse... Estão me mandando um sinal!

Gustavo Campello

sexta-feira, 20 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A ESPERA



Esperar, esperar, esperar... Esperar.

A vida é a espera pela morte, porém temos que ser pacientes para usufruir de todo o pacote que está no meio de tudo isto.

Eu particularmente sempre fui uma pessoa paciente, porém tive algumas desvantagens com relação a pessoas que não tinham paciência com nada. Pessoas impulsivas que pareciam correr mais atrás do que queriam do que eu. Durante muito tempo tive a impressão de ficar assistindo a vida passar e de observar pessoas conseguindo chegar aos seus objetivos enquanto eu ficava para trás. Ninguém acreditava que eu iria conseguir ser um astronauta, ninguém tinha muita fé em mim. Tive que esperar muito pelo meu grande momento, porém quando eu finalmente o tive, fui descuidado e agora estou morrendo por causa disto.

“Prender cabo de segurança 1, soltar cabo de segurança 2” – não era nada complicado.

Consegui estragar todo o meu momento de glória, iria voltar para casa como um herói. Esperei tanto... Não é justo.

Havia conhecido uma garota há duas semanas. Ela trabalha na torre de controle da missão. Nunca conheci o amor, porém achei que haveria uma chance para isto com ela, achei que finalmente havia chegado a minha hora. Conversávamos sobre qualquer coisa, tínhamos afinidades que eu achei que nunca encontraria em ninguém. Durante os poucos dias que tivemos juntos ela me fez muito bem. Ela foi especial.

- Desculpe Rachel – eu tento acreditar que ela possa me ouvir – mas não vou voltar para casa. Fui burro demais. Soltei o cabo de segurança 1 antes de prender o cabo de segurança 2 e agora vou morrer no espaço. Desculpe, desculpe, desculpe... Desculpe.

Minha voz soa abafada e isto é estranho.

Esperar as vezes faz bem, algumas pessoas colocam os carros na frente dos bois e só se ferram, porém me arrependo de ter esperado tanto. Devia ter falado mais as coisas que estavam entaladas na minha garganta, expressado mais o que estava no meu coração e feito mais o que eu tinha vontade. Agora é tarde.

Gostaria de coçar meu nariz, mas tenho que esperar a coceira passar. ODEIO ESTE CAPACETE! QUERO COÇAR MEU NARIZ! ODEIO TER QUE ESPERAR!

Por outro lado odeio esta sociedade imediatista que grita “Eu quero tudo e eu quero agora!” como uma criança mimada. Temos que entender que nunca teremos tudo e as coisas não podem ser sempre no nosso tempo. É preciso ter um equilíbrio. Sim, é preciso correr atrás dos nossos sonhos, é preciso entender que a vida passa, porém também é preciso saber lidar com frustrações se as coisas não saem como planejamos.

Não se pode ter tudo.

Não terei meu momento de glória.

Nunca.

Minha vida passou diante dos meus olhos e eu fiquei assistindo.

Agora estou vagando pelo espaço frio e silencioso. Apenas a morte é uma coisa certa.

Espero por um milagre. Espero por uma morte rápida. Espero por uma chance de me despedir. Espero por algo. No final das contas eu só continuo esperando...

Gustavo Campello

domingo, 15 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A MÚSICA



Começo a cantar para passar o tempo:

“- Lá do alto deve ser esquisito...
- Aqui de cima até que é normal
... minha cabeça pesa quase dois quilos...
- Meu corpo flutua, peso nenhum!” *

Sempre gostei de ouvir música, tentei tocar guitarra quando era adolescente, mas nunca levei jeito pra coisa. Queria ter uma banda, deixar o cabelo crescer e rodar o mundo cantando sobre qualquer coisa, para qualquer público. É ruim quando a gente quer algo, mas não possui a habilidade para fazê-lo. Tem um pessoal que acredita que é só ter vontade e dedicação... Balela! É preciso ter o dom. Eu poderia ter a maior vontade do mundo e me dedicar horas a fio que eu nunca seria um Jimi Hendrix. Algumas pessoas jamais conseguiriam se tornar astronautas.

Acredito em destino. Você nasce neste mundo para fazer algo e recebe um dom para fazê-lo bem. Eu nasci para ser astronauta e morrer no espaço. Quando você tenta fugir do seu destino tudo na sua vida começa a dar errado de uma maneira quase celestial e inexplicável. Não sei no que minha morte aqui vai afetar o destino das pessoas lá embaixo, mas tenho certeza que é meu destino morrer aqui, cumprir meu papel para que as coisas funcionem direito em algum plano cósmico interconectado como uma teia de aranha.

“Dentro do mambo, e da consciência
Está o segredo do universo” *

O segredo do universo... Acho que o grande segredo é tentar entender o que significa destino e livre-arbítrio... Como as duas coisas podem coexistir juntas? Eu acredito que podem, não sei se consigo explicar isto, mas tem haver com amadurecimento. Não sou bom em explicar as coisas.

“Eu era só um pobre, astronauta
Trabalhando numa armadura de lata” *

Virei um astronauta para fugir das coisas lá de baixo. Fugir de um mundo onde o amor era cada vez mais interesseiro. Fugir de um mundo onde a liberdade era manipulada. Fugir de um mundo onde a igualdade já é inexistente. Fugir de um mundo onde a fraternidade é entendida e praticada por poucos. Fugir de um mundo onde as pessoas fogem do destino em nome da filosofia do egoísmo.

Então eu percebo que estou exatamente onde deveria estar. Prefiro estar aqui, flutuando, morrendo e cantando...

“O que pode fazer um astronauta cansado
Além de esquecer que um dia foi amado” *

Gustavo Campello

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* Texto em itálico são trechos das músicas A Conquista do Espaço (Engenheiros do Hawaii), O Segredo do Universo (Raul Seixas) e Astronauta (Os Replicantes)

terça-feira, 10 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE A MALDADE



Muitos conhecidos ao longo da minha vida me disseram que eu era uma pessoa boa.

O que é ser uma pessoa boa? Eu nunca fui uma pessoa boa, eu sempre fui simplesmente eu mesmo. Qualidades e defeitos. Bondade e maldade. Alegrias e tristezas. Humano. Cheio de falhas e cheio de sonhos. Tomando decisões certas e decisões erradas. Machucando muitas pessoas que gostavam de mim e me machucando no processo.

As decisões erradas não foram culpa de um demônio ou de algo maligno me dizendo o que fazer, foi o meu cérebro raciocinando de maneira errada. Quando uma pessoa mente ou parte para a violência, seja qual for a situação, não é algo mal vindo do inferno que faz com que as coisas sejam como elas são, mas as circunstâncias que as coisas ocorreram para a gente chegar onde estamos neste exato momento.

O mal não é sutil, não acredito nisso. Nós somos sutis. É culpa da humanidade as pequenas coisas e não do mal como forma concreta. O mal é muito maior, ele mata crianças de fome, ele faz guerras onde milhares perdem a vida de forma estúpida e por nada. O mal é tão grandioso e tão palpável que me espanta que a maioria das pessoas não podem vê-lo.

Quando Hitler desfilou pela Alemanha ou quando Assad assumiu o poder na Síria. O mal com certeza estava lá, se esbaldando, se refestelando e rindo da fraqueza humana. Como somos idiotas e capazes de fazer atos hediondos. É o mal que estupra crianças, porque se eu começar a acreditar que os seres humanos são capazes de tal ato eu perderei toda a minha esperança nas pessoas que vivem naquele planeta que agora está tão longe do meu alcance. Preciso acreditar que a essência do ser humano é boa, no fundo somos todos inclinados a praticar o bem, mas existe algo lá, algo que nos consome, que nos denigre e nos molda como ele bem entende. Algo na escuridão que cresce como mato quando não estamos olhando.

“Só o amor mata o demônio” – disse o serial killer de um filme que eu assisti há muito tempo atrás.

Eu acredito no demônio. No mal. Espreitando pelos recônditos escuros em ruas estreitas. Diferentemente das outras pessoas, porém, não acho que ele está em todos os pequenos erros. Nunca fui religioso. Deus existe. Não acredito na bíblia, ela foi escrita por homens. Acredito em Jesus Cristo, mas acho que se ele quisesse uma bíblia onde seguíssemos seus ensinamentos ele mesmo teria escrito.

Olho para o espaço vazio que me cerca, livre do bem e do mal. Aqui nada dessas coisas existem. O homem e o que vem atrás dele ainda não conquistaram tudo isto aqui. Anjos, demônios, deuses, sofrimento, alegria, ressentimento, amor... Nada existe aqui. Só eu. Espero não macular este lugar incrível com o meu corpo e meus sentimentos. Espero que aqui continue sendo aqui, sem essas coisas que consomem a vida de todas as pessoas que estão lá embaixo naquele planeta.

Fecho os olhos por alguns segundos e tento sentir alguma coisa ruim, mas tudo o que sinto é o silêncio e meu corpo que treme pelo medo do que está por vir. Medo e silêncio são as únicas coisas por aqui... Por enquanto.

Gustavo Campello

quinta-feira, 5 de julho de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE O INFINITO



    Em Memória de Alan Poindexter

O que é não ter fim?

Dizem que não conseguimos contemplar o verdadeiro significado da palavra infinito. A matemática é a única linguagem onde o infinito é contemplativo de uma maneira concebível para nossa limitada forma de pensamento. O amor também, mas o amor é uma forma de linguagem?

O amor de mãe para com seus filhos, salvo exceções, é infinito. A mãe que ama o seu filho ainda vai amá-lo quando todas as estrelas se extinguirem e não houver mais nada vagando pelo universo, só pó ou nem isso.

O amor é tão inalcançável.

Intocável.

Incompreensivo.

Infinito.

Enquanto contemplo o universo e fico há imaginar se ele é infinito mesmo ou não tenho vontade de amar algo, algo sem fim, que dure mesmo depois da minha morte. Que dure mesmo que não haja vida após a morte. Que meu amor vague pelo cosmo como o meu corpo vagueia agora e que seja assim para todo o sempre.

Se o universo tiver um fim este meu amor iria encontrá-lo, iria se espatifar com uma coluna de pedras que demarcaria o fim do infinito e mesmo depois de milênios vagando ela iria fazer todo o caminho de volta de onde surgiu e começaria tudo de novo. De novo e de novo e isto seria infinito mesmo que o universo tenha um fim.

Nem sei mais no que estou pensando direito. Não faz o menor sentido.

Tão perto da morte fico pensando se eu quero ter uma alma que dure para sempre, pois “para sempre” é algo tão longo e pesado que talvez me assuste mais do que deixar de existir. Lógico que eu quero que tenha algo depois, mas não sei se precisa ser “para sempre”. O infinito é tão grande e escuro como o universo que deve ser por isto que associamos os dois no nosso dia a dia. A matemática é fria e complicada, também como o infinito.

O amor é tão pouco associado ao infinito e é o mais parecido com ele. O amor verdadeiro. Infinito, grande, vazio e que nos faz sofrer.

Olho para o meu regulador de oxigênio e vejo que ele quebrou devido ao frio, não sei nem quanto tempo eu ainda tenho para respirar. Gostaria de um cobertor, consigo ver a fumaça saindo da minha boca e embaçando o vidro do capacete. Gostaria de poder desenhar algo com o meu dedo no vidro embaçado como fazia quando era criança.

Penso no tempo em que se passou entre eu estar aqui morrendo vagando pelo espaço e na última vez em que desenhei com o dedo em um vidro embaçado quando era criança.

Faz muito tempo.

Tanto tempo que parece infinito.

Gustavo Campello