quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O APITO



Ele chega tarde do trabalho e olha o apartamento vazio, sabe que está vazio porque é um bêbado idiota, sabe que a culpa é dele e de mais ninguém. O apartamento nunca esteve tão sujo, tão degradante e sabe que isto também é culpa dele, mas tenta não pensar em nada.

Se olha no espelho e não se reconhece mais, tenta se acostumar com a aparência, mas não consegue, se acha repulsivo, seus olhos grandes, seu nariz afeminado e a boca grande demais e seca demais. Foge do espelho para parar de se olhar com raiva de si mesmo, quer se jogar pela janela, se imagina durante a queda e sente um frio na barriga. Fecha a janela e se afasta assustado, suando frio.

Queria beber alguma coisa, qualquer coisa. Queria fumar alguma coisa, qualquer coisa. A geladeira está vazia, só restou um bolo velho do natal e já estamos no final de fevereiro. Ele come o bolo, farelento e com um gosto azedo.

Senta no computador pra tentar escrever alguma coisa, qualquer coisa, mas não sai mais nada da sua cabeça, já faz um bom tempo que está assim, zerado de idéias. Olha para o lado e vê o apito, se levanta e o leva para a cama onde fica apitando por algum tempo, quando o afasta da boca seus olhos se enchem de lágrimas e o apito não volta a apitar.

Gustavo Campello

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

OITO DE FEVEREIRO



“Oito de Fevereiro” – pensava Vitor bebendo sua cerveja – “que merda!”

Era o aniversário do seu primo, seu irmão. Estava no trabalho até tarde quando sua mãe liga dizendo que vai passar no seu apartamento. Ele tenta argumentar, mas parece que não vai ter escapatória.

- Que merda – diz para Jorge, seu melhor amigo no trabalho – minha mãe vai lá em casa.

- Que é que tem? – diz Jorge.

- Hoje é aniversário do meu primo, queria beber uma cerveja num bar em homenagem a ele, agora ela vai lá em casa ficar me empacando.

E foi assim, na sala minúscula, bagunçada e suja Vitor abriu uma latinha de cerveja e bebeu em homenagem a seu primo esperando que ela fosse embora logo pra ele poder ir até um bar. Assim que seus pais se foram Vitor desceu correndo e foi até o bar de costume, porém o mesmo estava fechado.

“Merda!” – pensou – “Essa porra sempre fica aberta até tarde, porque fechou mais cedo justo hoje?” – provavelmente o bar havia fechado porque Vitor não aparecera.

Voltando até o apartamento um sujeito esquisito parou na sua frente e Vitor já se adiantou dizendo que não tinha dinheiro.

- Não quero dinheiro moço – disse ele – estou desesperado, sou HIV positivo, preciso comprar um leite NAN pro meu bebê, estou desesperado, não agüento mais.

Vitor não costumava a se comover com esse tipo de história, mas foi com o sujeito na farmácia comprar o tal leite, porém não tinha mais, o sujeito insistiu que ele fosse com ele até outra farmácia. Vitor tirou tudo o que tinha na carteira, que não era pouco, e entregou ao sujeito.

- Tome – disse ele dando o dinheiro – compre o leite e vá pra casa.

- Eu queria provar que quero comprar o leite – disse o sujeito, que fedia, mas tinha uma boa aparência.

- Eu confio em você – disse Vitor – você não precisa provar nada para ninguém.

O sujeito disse algo sobre ser cristão, sobre que ele havia cruzado seu caminho para que alguma mensagem fosse entregue para ambos.

- Hoje seria aniversário do meu irmão – disse Vitor triste – ele se matou.

- Você vai sonhar com ele hoje – disse o sujeito – e se quiser chorar chore, mas não acredite nas baboseiras que dizem sobre quem se mata, porque se Jesus levou o bandido que estava do seu lado, vai levar todos nós que não valemos nada também.

Vitor deu um abraço no sujeito e se despediram. Quando voltou pra sua casa chorou logo após entrar no elevador e soube que o dinheiro foi gasto como seu primo gostaria, não com uma cerveja, mas ajudando alguém que precisava de ajuda, fazendo a diferença.

Vitor foi dormir esperando que seu sonho lhe dissesse algo que precisasse ouvir.

Gustavo Campello