segunda-feira, 26 de outubro de 2015

MICROSCOPIA AVANÇADA DE CÉLULAS DANÇANTES



E se você pudesse pegar um microscópio e olhar as células de Bram?

Você veria que cada célula é um ser vivo completamente independente e tem sua vida própria, elas dançam, elas cantam e elas vivem suas vidas exatamente como Bram ou seus amigos. As células são seres vivos com seus sonhos e pretensões salariais, sem ter a mínima consciência de que fazem parte do corpo de Bram.

Há uma célula do seu joelho que reza toda noite para que consiga cantar como aquela vagabunda da outra célula, que faz parte do seu pescoço e roubou seu namorado.

Dyoníza, aquela célula simpática que todos adoram amar, vive em seu ritmo frenético pra conquistar likes naquela rede social que está bombando no mundo microscópio do corpo de Bram. Ela posta várias fotos das baladas, dança melhor do que qualquer outra célula, mantém a forma indo na academia todos os dias e adora um sexo casual.

Bram bebe uma cerveja com sua namorada Imala naquele momento em que Dyoníza aproveita a night com aquele som eletrônico pesado na pista de dança.

- E se a gente for células de um ser superior? – pergunta Bram depois de beber seu décimo e segundo copo de cerveja.

- Que porra tu tá falando?

- Tipo assim, eu e você sermos partes vivas de um mesmo ser, se eu te machucar, na verdade estou me machucando.

Imala não estava em condições de acompanhar os pensamentos do namorado e apenas levantou a sobrancelha.

O último gole de cerveja desceu aliviando.

- Que diferença faz se uma célula nossa deixar de existir? – Bram tentava formular algo com base no mundo do Edifício onde a morte não existia, mas tudo era confuso em sua mente.

- Eu acho que é melhor parar com a cerveja por hoje – disse Imala de bom humor, aproximou o rosto de Bram e lhe deu um beijo, com a unha deu um beliscão em sua bochecha.

Beliscão fatídico, enquanto Dyoníza dançava loucamente na última festa de sua existência, foi esmagada e deixou de existir no mesmo instante por culpa de Imala. Bram deu um último gole antes de ir pra casa, nunca em toda a sua existência Dyoníza fez alguma diferença para ele.

Gustavo Campello

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O COPO CONTINUA NA JANELA



Então você foi embora, fiquei parado em frente ao meu portão vendo o seu carro se afastar lentamente até sumir rua abaixo.

Em casa, depois de quase dois meses, ainda está na janela o copo onde bebeu água pela última vez, sua toalha permanece pendurada no banheiro e inúmeros badulaques seus eu coloquei em uma caixa de plástico. Não chorei, só fiquei deitado na cama durante sei lá quantos dias sem entender direito o que tinha acontecido, ainda não chorei.

No mundo virtual me deparo com um meme que diz: “Uma das coisas mais difíceis da vida é não falar mais com quem você falava todos os dias”.

Vontade de jogar o celular na parede.

Sinto-me em animação suspensa, dentro daqueles tubos de vidro, completamente congelado enquanto o mundo lá fora está em constante modificação, em completa metamorfose em um mundo em que não me encaixo mais. Odeio tecnologia, mas é só assim que as pessoas se conectam hoje em dia.

Sozinho.

Seguimos caminhos opostos, seu carro descendo a rua e eu ficando aqui, nesta tumba suja e empoeirada que é esta casa sem você, mas ainda não chorei, devo ter perdido todos os meus sentimentos, devo ter virado aquela pedra de gelo que você tanto me acusava de ser.

Sem levantar da cama assisto a um filme depois do outro. Totò tenta me fazer rir sem sucesso, Steve McQueen interpreta um cara frio e escroto que me obriga a encarar meus defeitos e Jack Lemmon me salva de cair no fundo do poço.

Nada vai ser como antes, já estive neste exato momento mais de uma vez, mas quanto mais envelheço mais difícil fica de estar aqui de novo e de novo e de novo. Olhando a imensidão do mundo como se fosse o último homem nele. Sozinho de novo.

Revivo a mesma cena, de olhos abertos e fechados, a cena do seu carro descendo a rua, e eu sou como o Jack Lemmon no final daquele filme, olhando pela janela a mulher que ama ir embora, porque se ele não a amasse, então terminaria o filme com ela.

Gustavo Campello