segunda-feira, 28 de julho de 2014

SERES HUMANOS SONHAM COM DUENDES MECÂNICOS



Toda pessoa tem sua maneira de ser, seu jeito de agir, sua identidade de pensamento. Suas ações fazem dela o que ela vem a se tornar, mas quanto o meio em que ela vive influencia isso?

Todo ambiente tem sua maneira de ser, seu jeito de agir sobre outras pessoas, sua identidade de existência. O lugar onde vivemos é quase como um ser vivo que nos envolve em sua canção inaudível e em seus sinais invisíveis.  

Tariq não sabe mais quem ele é, algo parece errado desde que seus olhos começaram a enxergar os sinais invisíveis. Ele não sabe, mas logo seus ouvidos irão escutar uma canção inaudível e tudo se fechara em um ciclo de violência. Os Duendes Mecânicos não gostam de pessoas diferentes, os Duendes Mecânicos são parte do Mundo Intermediário, parte do ambiente, agindo como glóbulos brancos demoníacos, expurgando a doença do pensamento livre.

- Nós sabemos que existe um outro mundo, um mundo de sonhos, um mundo proibido.

Tariq não sabe por que disse isso em voz alta, ele sabe que é perigoso.

No Mundo Intermediário não existe morte, não existe fome e não existem doenças, mas de que adianta tudo isso se não existe liberdade? Existem muitas outras pessoas como Tariq, muitas foram pegas e levadas para o subterrâneo, outras escaparam para o Mundo Posterior, a maioria ainda se encontra aqui, escondida, vivendo em fuga pelo Edifício.

Os Duendes Mecânicos são agentes da ordem, do controle, da opressão e da fantasia que se interpõe ao sonho. A fantasia real que impede que busquemos algo de diferente para nossas vidas.

Os Duendes Mecânicos são as células materializadas do Deus-Fungo neste plano, assim ele destruiu a ordem cósmica das coisas, pois este não é o mundo destinado ao Deus-Fungo. Uma invasão aconteceu há muito tempo atrás. Faz tanto tempo assim? Mil anos? Cem anos? Quatro minutos? Quem se importa?

Tariq sabe que sua vida está por um fio, quer continuar tocando bateria com os Formigas de Mercúrio, mas não pode mais ser conivente com o estado de brutalidade e opressão imposto pelo Deus-Fungo.

É hora de lutar.

É hora de resistir.

Espere a revolução!

Gustavo Campello

terça-feira, 22 de julho de 2014

LOU REED



Vitor já curtia Lou Reed naquela época de faculdade. Os anos 2000 haviam chegado e os disco voadores continuavam a ser coisa do futuro.  Nesta época ele tinha uma conta de e-mail em um provedor argentino com sede em São Paulo, não lembrava mais o nome do provedor que nem existe mais. Entrou no e-mail e viu que tinha uma promoção pra ganhar um par de ingressos pro show do Lou Reed dia 14 de Novembro, na semana seguinte.

A promoção era simples, tinha que entrar em um questionário e responder cada uma das vinte perguntas em menos de dez segundos. Pra pessoa não ter tempo de procurar em sites de busca pelas respostas, obviamente. Cada pergunta tinha cinco opções  e era preciso marcar as certas.  Tinha perguntas simples como: Qual era a banda que Lou Reed fazia parte? (Velvet Underground, lógico!). Qual famoso artista promoveu a banda de Lou Reed no começo da carreira? (Dã! Andy Warhol, cadê as perguntas difíceis?). Tinha as perguntas médias como: Com quem Lou Reed é casado? (Como é mesmo o nome dela? Laurie Anderson! Lembrou ao ver na lista entre outros cinco nomes). E tinha as perguntas nível foda: Qual o nome do travesti com quem o músico foi casado? (E agora? Fodeu! Vou no Bob! Não, Bob não... Raquel é um nome mais simpático, vou chutar em Raquel mesmo!).

Bingo! Dois dias depois Vitor tinha ganhado a promoção. Nunca havia ganhado nada e agora tinha em mãos dois ingressos para ver o Lou Reed – Que Bob que nada. Raquel, seu travesti gostoso!

Vitor e Marcel foram até o Credicard Hall, a mesma casa de show em que havia assistido ao show do Blur. Tinha muitas mulheres bonitas por lá e antes que o Lou Reed subisse no palco foi arrebatado pela garota alta de olhos escuros com cabelo ondulado ao seu lado.

Antes que pudesse formular alguma coisa o show começava com Paranoia Key of E, a preferida de Vitor do álbum Ecstasy que era responsável pela turnê que estava assistindo.

Let's play a game the next time we meet, ah
I'll be the hands and you be the feet
And together we will keep the beat
To paranoia key of E

Sabia que era um show que diria para seus netos que havia assistido. Uma energia estranha percorria todo o seu corpo. Só iria sentir isso de novo no show do Neil Young, mas isto já é outra crônica.

Acompanhava ao show vidrado e ao mesmo tempo contemplava aquele anjo dançando músicas como Turn to Me e Modern Dance até chegar na Ecstasy. Ela se movia graciosamente ao ritmo da música. A garota definitivamente dava um toque a mais ao show. Tudo estava mais interessante. Vitor queria chegar nela, falar com ela, casar com ela e ir com ela até o Inferno se fosse preciso.

Foi depois de Turning Time Around que começou a tocar Romeo Had Juliette. Era agora! Ele era Romeu e ali estava sua Julieta... Parou em frente dela e ficou paralisado, ela continuava a dançar e obviamente já havia percebido aqueles olhos estatelados nela, quase que hipnotizados por seus movimentos. Ela sorriu. Algo dentro do cérebro de Vitor explodiu em milhares de fragmentos, aquele sorriso era o LSD da vida que faltava para torna-lo uma pessoa feliz e ela simplesmente continuava a dançar.

Quando Vitor percebeu cinco músicas já haviam passado e eles dançavam agora juntos enquanto Lou cantava a clássica Sweet Jane no começo do bis que acabou já na música seguinte com Dirty Blvd.

- Como assim um bis com duas músicas? – Vitor gritou para o palco enquanto ela ainda sorria olhando de soslaio para ele.

Lou não podia ir embora assim, não podia acabar com o show enquanto aquele casal queria desesperadamente dançar e cantar até morrer. E não parou. Começou Walk On the Wild Side e tanto Vitor como a garota se olhavam compenetrados, algo especial estava acontecendo ali. O show acabou com a música seguinte: Perfect Day.

Just a perfect day
You made me forget myself
I thought I was someone else
Someone good

Vitor chegou ao ouvido dela e perguntou: Qual seu nome?

- Sweet Jane – ela respondeu no seu ouvido, lhe deu um beijo e sumiu na mutidão.

Lou Reed ainda cantava Perfect Day no palco. Vitor nunca mais a viu.

Sua Sweet Jane.

Aquela mesma, que os vinhos e rosas celestiais parecem sussurrar quando sorri.

Gustavo Campello

quinta-feira, 10 de julho de 2014

FUNGOS NO MACARRÃO



Bram não gosta de macarrão, acha que lembra os vermes que vivem nos braços dos sem-coração. Não que ele precise comer algo, afinal ninguém precisa comer algo no Mundo Intermediário. Indaga-se porque está ali naquele restaurante imundo com aquele prato de macarrão na sua frente? Porque se sente compelido a comer aquela merda? Parece um macarrão normal com molho de aspargos, seja lá o que for um aspargo. Pensa que aspargos não combinam com macarrão e sente vontade de vomitar.

O garfo vai até o prato quase de maneira automática, vai girando enquanto o macarrão vai enrolando entre seus dentes de metal. Bram olha pra tudo aquilo com nojo. O garfo parece adquirir vida própria enquanto o macarrão se aproxima com o macarrão até sua boca. Bram não quer abrir a boca, seus olhos tentam focalizar algo.

Tem algo andando em seu macarrão, ele enfia na boca mesmo assim, mastiga e passa mal. Vomita ali mesmo do lado de sua mesa. Sua frio e sente algo andando pela sua garganta, tentando chegar até seu cérebro.

Vomita mais um pouco até sentir que não tem mais vermes dentro dele.

Olha para o prato de macarrão, um velho se aproxima e joga o prato longe.

-Fungos! – o velho grita – Fungos por toda parte!

- Fungos? – diz Bram sem entender nada.

O velho é arrastado pra fora do restaurante enquanto o mesmo joga um pano em direção a Bram dizendo – Você vai limpar esta sujeira – e parece decidido a impedir a saída de Bram até que ele faça o que tem que ser feito.

Bram começa a limpar seu vomito enquanto algo se meche, parece criar vida própria. O fungo quer Bram, não importa como, tenta entrar em seu nariz, mas ele é mais rápido e pisa no fungo que cresce tentando tomar a todos no restaurante.

As pessoas não são mais elas mesmas, são agora parte do fungo.

Bram corre dali. Sobre trinta e cinco andares sem parar até se sentir seguro. Ele pensa estar a salvo, mas é questão de tempo até o fungo alcança-lo, não hoje, mas em breve. O vocalista dos  Formigas de Mercúrio vai ter muito trabalho pra continuar sendo ele mesmo.

Gustavo Campello