quinta-feira, 22 de maio de 2014

JONAS (PARTE I) - DESOBEDIÊNCIA DO PROFETA



A palavra do Deus-Fungo foi dirigida a Jonas, filho de Amitai, nestes termos: “Levanta-te, vai ao 9376º andar, no setor da promiscuidade, e profere contra ela os teus oráculos, porque sua iniqüidade chegou até a minha presença.”

Jonas pôs-se a caminho, mas na direção da porta que leva para baixo, para fugir do Deus-Fungo. Desceu ao subterrâneo, onde encontrou um trem que partia para o Mundo Posterior; pagou a passagem e embarcou nele para ir com os demais passageiros para o Mundo Posterior, longe da face do Deus-Fungo.

O Deus-Fungo, porém, fez vir sobre os trilhos uma onda de choque impetuosa e levantou no trilho uma eletricidade tão grande que a locomotiva ameaçava despedaçar-se. Aterrorizados, os viajantes puseram a invocar cada qual o seu deus, e atiraram nos trilhos a carga do trem para aliviarem-no. Entretanto, Jonas tinha ido até o último vagão do trem e, deitando-se ali, dormia profundamente. Veio o maquinista e o despertou: “Eles vão dividir o seu belo crânio, e preenchê-lo cheio de ar. E dizer que você está nos anos oitenta, mas irmão, não se preocupe. Você será atirado sobre qualquer coisa, sobre o nunca do amanhã.”

Em seguida disseram os viajantes entre si: “Vinde e tiremos à sorte para sabermos quem é a causa deste mal”. Lançaram à sorte e esta caiu sobre Jonas. E perguntaram-lhe: “Tu, por quem nos acontecem estes males, diga-nos qual é a tua profissão? De onde vens? A que país e a que raça pertences?” – “Sou do 7432º andar” respondeu ele “Adoro o Deus-Fungo, Senhor dos concretos, que criou o Edifício e todos os andares.”

Ficaram então aqueles homens possuídos de grande temor, e disseram-lhe: “Por que fizeste isto?” Pois tinham compreendido, pela própria declaração de Jonas, que este fugia para escapar à ordem do Deus-Fungo. E disseram-lhe: “Que te havemos de fazer para que os trilhos se acalmem em torno de nós?” Porque os trilhos tornavam-se cada vez mais ameaçadores. “Tomai-me” disse Jonas “e lançai-me às rodas de aço, e os trilhos se acalmarão. Reconheço que sou eu a causa desta terrível tempestade que vos sobreveio.”

Os homens tentavam ver para onde se dirigiam, mas em vão, porque os trilhos se retorciam e davam voltas que antes não existiam. Então invocaram ao Deus-Fungo: “Deus-Fungo”, disseram eles, “não nos façais perecer por causa da vida deste homem, nem nos torneis responsáveis pela vida deste homem que não nos fez mal algum. Vós, ó Deus-Fungo, faz como for do vosso agrado.” E, pegando em Jonas, lançaram-no às faíscas, e a fúria dos trilhos se acalmou. Tomada de profundo sentimento de temor para com o Deus-Fungo, os viajantes ofereceram-lhe um sacrifício, acompanhado das canções do maquinista.

Gustavo Campello

sexta-feira, 16 de maio de 2014

SUPERCHUNK (II)



Era 16 de Maio de 2000 e o Superchunk voltava para São Paulo. Desta vez Jorge e Marcel decidiram ir junto com Vitor ver a banda da Carolina do Sul.

Foram até São Paulo e combinaram que iriam dormir na casa da tia de Vitor, que havia convidado à todos, insistindo até em buscá-los quando o show terminasse. Foram até a Via Funchal e combinaram para que ela fossem buscá-los por volta da 1h30min da manhã. Ninguém tinha celular naquela época, então era bom combinar um horário antes.

Chegando lá resolveram comer um cachorro quente e tomar uma cerveja, que fora da casa de shows era bem mais barata. Conversaram sobre música, filmes e quadrinhos, que era sempre o assunto em pauta. A banda Caixa Materna de Vítor e Marcel já não existia mais e todos estavam pensando na faculdade.

Quando foram entrar, os seguranças barraram um grupo de quatro pessoas, que estavam tentando entrar sem o ingresso logo na frente deles. Houve um tumulto e foi-se então que perceberam que os quatro encrenqueiros eram na verdade a banda. O Superchunk estava comendo cachorro quente do lado de fora e ninguém nem tinha percebido. Vitor distribuiu uma capa de cada álbum para cada um deles, no caso de conseguirem um autógrafo. Jorge ficou com a capa do  Here’s Where The Strings Come In, Marcel ficou com a capa do Come Pick Me Up e Vítor ficou com a capa do Indoor Living.

O show foi em outra área da casa de shows, em um palco menor do que da outra vez. O show não foi tão bom quanto o primeiro, parecia que o pessoal estava mais comportado, mas ainda assim foi um puta show. Uma garota deu um mosh na galera enquanto o Superchunk tocava:

yeah, yeah - Yeah, it's beautiful here too
yeah, yeah - Why am I telling you?
yeah, yeah - Yeah, it's beautiful here too
yeah, yeah - Why am I telling you?
Last year last night
I'm tired let's fight

Já não sabia onde estava Jorge e Marcel. Vitor estava perto do palco e era um aperto só. Laura Balance ainda estava linda como se lembrava, tocando seu baixo freneticamente.

Quando o show acabou, Vitor viu que era 1h50min da manhã, estava 20 minutos atrasado de encontrarem seus tios do lado de fora. Não viu seus amigos, foi lá pra fora e viu sua tinha falando com Marcel, quando chegou perto pode ouvi-la:

- Porque você não vai procurar por eles, então? – ela estava alterada – Vai ficar aqui parado?

Marcel parecia nem dar bola, Vitor ficou envergonhado de ver sua tia tratando mal seu amigo.

- Aí está você – disse ela percebendo Vitor se aproximando – Cadê seu outro amigo? Estou esperando aqui faz meia hora!

- Oi? – Vitor não estava entendendo nada, quem se ofereceu para pegá-los foi ela, podiam muito bem pegar um táxi e passar a noite na paulista sem nenhum stress.

Jorge chegou logo depois todo feliz porque havia conseguido pegar um autógrafo da Laura Balance no encarte que Vitor havia deixado com ele.

- Pronto. – Vitor estava puto com sua tia – Agora todo mundo tá aqui!

Entraram no carro e foram embora.

- Seu olho tá estranho – disse sua tia virando pra trás e falando com Jorge – O que você tomou? Você tá bem? Tá drogado?

- Hein? – Jorge ainda não tinha sacado que ela estava puta por ter que ir buscá-los. De todas as pessoas que ela podia ter acusado de ter usado drogas, Jorge era o mais improvável naquele carro (contando com seus tios inclusive). Marcel e Vitor já tinham experimentado sua cota, mas Jorge era o mais certinho.

- Você está estranho – disse ela – tomou o que? Usou o que?

- Mas que porra... – falou Vitor.

- Hein? – Jorge ainda não entendia nada.

- Ai caralho – Marcel olhava pro teto inconformado.

Chegaram à casa dela com um climão chato, ela havia conseguido estragar a vibe do show. Foram dormir e Vitor pediu desculpas pelo que havia acontecido. Saíram bem de manhãzinha no dia seguinte pra não ter que trombar com ninguém. Pegaram o ônibus e voltaram pra cidade onde moravam. Vitor nunca mais foi pra casa de sua tia, até hoje (12 anos depois) só a encontra em festas de família, mas muito raramente, pois não é o tipo de festa que Vitor prioriza.

Gustavo Campello