quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PRESO NA TEIA DE ARANHA



Vitor estava bêbado, era aproximadamente uma hora da manhã, caminhava sozinho em uma avenida movimentada. Não havia mais ônibus na rua, ou ele não reparava nisso, sua casa estava longe, seria uma bela caminhada, um pé atrás do outro, pernas se contorcendo, mas nenhuma vontade de vomitar.

Sentiu a bexiga apertar, precisava mijar, os carros não paravam de passar e a avenida tinha um certo movimento ainda, alguns bares e restaurantes ainda estavam abertos. Andou mais uns dois quarteirões até que observou uma árvore bem grande na próxima esquina – “Vou mijar naquela árvore escondido do sentido que os carros vem – pensou Vitor indo em direção ao seu futuro banheiro.

Quando se aproximou sentiu que algo o parou no ar, seus pés já não encostavam o chão, pedaços da sua pele haviam sido dilacerados, ficou ali pendurado em algo que seu cérebro não conseguia entender o que era.

Imaginou-se como uma mosca em uma teia de aranha, aguardando o momento fatídico em que o predador aracnídeo iria enfiar-lhe o ferrão e devorar suas entranhas liquefeitas. Suas mãos doíam, suas pernas doíam e sua barriga também doía. Foi então que percebeu que estava preso em uma cerca de arame farpado, inclinou o seu corpo para trás e se viu livre, devia estar ridículo pendurado daquele jeito pros carros que passavam e olhavam para aquela cena. Desenroscou o agasalho e viu que tinha várias partes do corpo sangrando.

- Sua cerca filha da puta! – Vitor tirou o pinto pra fora e mijou na cerca mesma, foi então que sentiu falta do seu óculos e imaginou corretamente que ele havia caído para dentro da cerca, teve que se contorcer todo para passar para o outro lado da cerca e procurar sua fonte de visão apalpando o chão que agora estava todo mijado.

Encontrou seus óculos há uma distância considerável da cerca, o impacto entre eles devia ter sido grande, a sorte é que ele estava seco. Voltou para o outro lado e foi caminhando para a casa mancando e com algumas dores no corpo.

Agora ele sabia como uma mosca se sentia presa a uma teia. Chegou em casa, deitou-se na cama do jeito que estava e sonhou que combatia uma aranha gigante em um reino de teias digno do desenho Caverna do Dragão, iria matar aquela desgraçada peluda e conquistar o coração de Sheila trazendo-a para casa, ela seria sua cara metade, ele sabia disto desde que tinha seus cinco anos. Acordou e pensou – “Bem que podíamos deixar aquele irmão chato dela por lá!

Gustavo Campello

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

OBJETOS



O pente e a saboneteira que se encontram no banheiro de Vitor remontam momentos históricos de sua infância. A saboneteira provavelmente é mais velha que ele, o pente faltando algumas cerdas, azul, deve ser de quando tinha uns 10 anos. Ele é de plástico e não tem nada de especial, apenas seguiu junto com Vitor por tempo demais, assim como a colher bailarina, que é a única que mistura o seu leite, nenhuma outra colher tem esta tarefa – “seria uma heresia usar outra colher”- pensa Vitor.

Um óculos-escuro do seu avô fica guardado na gaveta, usou ele em uma festa a fantasia, mas sempre evita usá-lo por se tratar de uma raridade, ainda tem uma blusa de lã que também pertenceu ao velho. Em cima do seu computador fica uma caveira de gesso que comprou em Gramado-RS, seu nome é Zé Tobias, lembra-se daquela viagem com seus avós onde conheceu Silvana, tinha 13 anos e se apaixonou, quando voltou mandou flores, mas deve ter assustado a garota, nunca mais se viram.

Dois santos, uma Nossa Senhora das Graças e um São Francisco que foram dados pela sua avó quando saiu da casa dos seus pais ainda estavam ali, meio escondidos, mas ainda estavam ali.

Um CD de instalação do Windows 98 que seu primo Giorgio lhe deu quando este tinha acabado de ser lançado. Olhava pro disco e tentava se lembrar de mais algum objeto que tinha sido dado por seu primo, mas não conseguiu lembrar-se de mais nenhum. Resolveu que iria pedir o baixo dele para sua tia.

Espalhados por vários lugares haviam desenhos feitos por Bianca, rabiscos de quando ela tinha cinco anos, animaizinhos de quando ela tinha sete e casas e árvores de quando ela tinha nove. Pensou que tinha que colocar todos em uma pasta. Iria organizar aquilo.

Objetos espalhados por todo o minúsculo apartamento traziam recordações, cada um tinha uma história, cada um lhe lembrava de um momento, cada um lhe era mais importante que tudo. O aquário, o apito, o Sr Cabeça de Batata, camisetas, um barco a vela do Kinder Ovo, um óculos 3-D de papel, uma presilha de cabelo, uma caixa de lenço em formato de elefante, um pôster desenhado por George Pérez, uma sombrinha bem afeminada, um manati de pelúcia chamado Herman, tartarugas de porcelana, copos de Star Trek comprados no Burguer King e várias outras coisas.

Olhou para as garrafas de gin vazias em cima da geladeira e se perguntou porque guardava aquilo.

Gustavo Campello

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A FESTA DO BANHEIRO



Vitor estava cansado de trabalhar no clube, não porque o trabalho era chato, mas porque as pessoas eram chatas. Ele nunca se deu bem com pessoas, no fim das contas, mas parece que com a idade esta implicância vinha crescendo dentro dele.

Tentou pensar em algo chato em relação ao seu trabalho, tinha tempo de ler, não acontecia nada demais, escrevia e rascunhava coisas o dia inteiro, mas terça feira era diferente, Vitor odiava todas as terças feiras. Terça feira era o dia de o pessoal ir jogar vôlei.

A quadra enchia de bixinhas com seus gritinhos agudos, Vitor não tinha nenhum problemas com eles, uma vez deu briga entre duas bibas e Vitor teve que ficar plantado lá como segurança.

- Muito bem – ele disse estufando o peito – não quero mais ver bagunça aqui, vou ficar em cima de vocês.

- Ui! – gritou uma lá do fundo – ele vai ficar em cima da gente. Eu primeiro! Eu primeiro!

Vitor levou na brincadeira, havia morado um bom tempo ao lado de um vizinho travesti que acabou virando um amigo. A parte ruim do seu trabalho de terça feira era depois do jogo de vôlei e não era na quadra, mas sim no vestiário, onde acontecia a famosa Festa do Banheiro da Terça Feira.

Homens comendo homens, homens masturbando homens, homens chupando homens, homens beijando homens, homens em cima de homens, homens embaixo de homens, homens enfiando coisas em homens, homens amando homens, homens batendo em homens. Enfim... Era um pandemônio!

O trabalho de Vitor na terça feira consistia em impedir que homens comessem homens, homens masturbassem homens, homens chupassem homens, homens beijassem homens, homens ficassem em cima de homens, homens ficassem embaixo de homens, homens enfiassem coisas em homens, homens amassem homens, homens batessem em homens. Enfim... que os homens fizessem qualquer coisa com outros homens.

“Isto é um saco” – pensava ele – “eles que se fodam, literalmente, eles que façam a suruba que eles quiserem, eu não tenho nada com isso, não sou pago nem pra ficar interrompendo essas merdas, nem pra ficar vendo essas merdas”.

Então Vitor deixava os homens comendo homens, homens masturbando homens, homens chupando homens, homens beijando homens, homens em cima de homens, homens embaixo de homens, homens enfiando coisas em homens, homens amando homens, homens batendo em homens. Enfim... Era a famosa Festa do Banheiro da Terça Feira.

Era só aparecer no clube de terça feira, estar no banheiro masculino a partir das 21:30 e ser homem e pronto, você estava convidado. No fim você nem precisava jogar vôlei.

Gustavo Campello