quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ARTE TRANSGRESSORA



Beatriz havia acabado de voltar de um festival de arte em outro estado.

- E aí? Como foi? – pergunta Vitor.

- Putz, teve uma oficina de performance horrível, você ia adorar.

- Hahahahaha, como era?

- Tinha uma temática transgressora, algo de ir contra o sistema, chocar as pessoas, essas coisas.

- Putz!

- Um gordinho entrou com uma fralda e uma tira de couro espremendo o peito, ficou parecendo que tinha umas tetas de mulher, enfiou a mão na fralda e pixou a parede com algo que parecia bosta!

- Não fode!

- É sério, todo mundo pensou que era bosta mesmo, mas era doce de leite.

- Hahahahahahahahaha, mas que merda!

- Não, era doce de leite!

- Hahahahahahahahaha, o que uma pessoa tem na cabeça pra fazer isso? – Vitor estava com a barriga doendo de tanto rir de imaginar a cena, nunca entendeu essas performances artísticas e entendia menos ainda o que diabos um gordinho de fralda pixando com algo que parecesse bosta tinha de transgressor ao sistema – mas diz aí, o que ele pixou?

- “A burguesia fede!”

- Não fode!

- Sério.

- Ele não podia ser original?

- O cara estava de fralda pixando a parede com um doce de leite que parecia merda, ta, foi horrível, mas não da pra dizer que ele não foi original.

- Hahahahahahahahaha! Tá certo!

- Teve outro cara que estava nu, com uma lixa de pé escondendo o pinto e um saco pendurado cheio de bombinhas que devia estar amarrado no próprio saco dele. Daí ele tirava as bombinhas do saco postiço, esfregava na lixa e estourava elas no chão.

- Não fode!

- É!

- Nossa, onde será que vive esse tipo de gente?

- Como assim?

- Porra, eu nunca conheci alguém que ficaria nu, com uma lixa escondendo o pinto e estourando bombinhas de um saco pendurado nos bagos!

- Ah, ta cheio de gente assim por aí.

- Por aí onde? Conheço um monte de gente que fez arte, você, o Jorge, a Larissa mesmo que faz artes cênicas não teria coragem de fazer uma merda dessas - pensou mais um pouco em alguém - Nem o Mario faria uma coisa dessas!

- Hahahahahahaha, realmente o Jorge nunca faria algo assim - Beatriz tentava imaginar a cena e ria compulsivamente.

- Essas pessoas devem viver em árvores com portinholas ou embaixo da terra, só aparecem pra essas oficinas, nem fodendo que são pessoas reais.

- Foi constrangedor!

- Ah, eu ia dar muita risada se estivesse lá - Vítor se imaginava rolando no chão de tanto rir enquanto as pessoas levavam suas performances a sério.

- Sorte que você não foi, teve uma menina que ficou imitando robô...

Ambos ficaram em silêncio, estavam imaginando a mesma cena. Vitor invadindo a performance, atacando a mulher e gritando “REPLICAAANTE!”. Vitor deu um sorriso, olhou para Beatriz e disse:

- Não perco mais estes festivais por nada!

No próximo ela iria passar vergonha.

Gustavo Campello

sábado, 25 de setembro de 2010

A FAXINA



Vitor estava deitado na sua cama quando sentiu uma agulhada na sua nuca, era um cabo de conexão neural que uma comunidade de ácaros super desenvolvida que morava embaixo de sua cama havia fabricado para se comunicar com ele. Eles pediam para que ele parasse de peidar.

Vitor acordou.

Havia sido um sonho estranho, olhou para o carpete do seu quarto, havia inúmeras manchas nele, foi quando se deu conta de que já fazia três anos desde a última faxina. Levantou bem disposto a arrumar tudo, tirou todos os móveis do quarto e começou por ali, a cama foi a mais difícil, era grande e pesada, imaginou ficar soterrado por aquele colchão king size e só conseguir sair quando sua namorada desse por sua falta.

“Aquela mancha foi quando vomitei run a noite inteira e minha garganta ficou toda fodida” lembrou ele esfregando com uma escova, nem toda mancha saiu, porém aquela mancha de molho de pimenta que já fazia parte do cenário havia dois anos saiu mais rápido do que ele imaginava. Uma camisinha embaixo da cama deixou uma mancha irremovível, mas como ficava embaixo da cama não tinha problema, ninguém ia ver.

Depois que o quarto havia sido arrumado e um holocausto de ácaros estava em andamento, resolveu limpar a sala. Antes passou na geladeira e abriu uma cerveja. Na sala havia de tudo um pouco, amendoins ancestrais, macarrões pretos, milhos guerrilheiros escondidos por toda a parte e um pedaço de salsicha estrategicamente escondido atrás do estabilizador. Vitor só achou a salsicha quando foi ligar o aspirador de pó no maldito estabilizador que pifou assim que ele começou a aspirar. Pegou outra cerveja e jogou o estabilizador pela janela do décimo primeiro andar.

A cozinha era a sua próxima vitima, baldes e baldes de águas estavam sendo jogados por toda a cozinha enquanto ele esfregava todo azulejo entre uma cerveja e outra, lembrou então que já era tarde e não havia almoçado, iria se preocupar com isso depois. Neste momento a água do prédio foi cortada. Revoltado ele foi até a portaria saber o que estava acontecendo, mas um cartaz no elevador dizia “Vai faltar água hoje! Manutenção do apartamento 1206” – filho de uma cadela – falou em voz alta e voltou para o apartamento onde só restava esperar. Ficou bebendo mais cerveja.

Acordou no dia seguinte no chão da cozinha, todo molhado e com frio, a única diferença no cenário era uma nova poça de vomito que ele nem imaginava de onde tinha surgido, continuou a faxina como se ainda fosse o mesmo dia.

“Falta o banheiro” – pensou, mas este foi mais fácil porque era o único lugar do apartamento que sofria faxinas esporádicas, quando terminou se sentiu muito melhor e mais tranqüilo, pois só teria que repetir este martírio daqui há três anos.

Gustavo Campello

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

OS OBSERVADORES



- Eu aposto que ele vai comer macarrão hoje de novo! – diz o mais grandão dos três – ele sempre come macarrão.

- Grande merda! Nós também comemos sempre a mesma coisa – diz o mais rabugento, ele está sempre reclamando, não gosta de muita coisa, então os outros dois costumam ignorá-lo, assim ele acaba dizendo a mesma coisa duas vezes, sempre - Grande merda! Nós também comemos sempre a mesma coisa.

- Eu gosto do que comemos todos os dias, além do mais tem gente por aí que nem tem o que comer – o menor entre eles é quase uma criança e vê sempre o lado positivo de tudo – ele sempre come macarrão porque é nutritivo e deve ser gostoso.

- Dane-se vocês, eu preferia comer o macarrão ao invés da merda da nossa comida, odeio ter que o ver comendo este macarrão através desse vidro – ninguém pareceu notá-lo de novo - Dane-se vocês, eu preferia comer o macarrão ao invés da merda da nossa comida, odeio ter que ver ele comendo este macarrão através desse vidro.

- Vai lá e pede pra ele – diz o menor.

- Um dia eu faço isso!

- Da mesma maneira que você diz que um dia vai embora para Huahine e comer coisas diferentes todos os dias – o maior sempre gosta de provocar os outros dois, mas no fundo são amigos, bem, não porque escolheram, mas porque o destino assim o quis.

- Um dia vou ser um rei e comerei até um pedaço daquilo que ele sempre come!

- Se chama Filé! – disse o menor não dando tempo para repetições.

- Eu sei como se chama – virou-se de costas para não ter mais que olhar a vida alheia através de um vidro – Eu sei como se chama!

- Lá vem ele – disse o maior cheio de expectativa.

- O que ele está trazendo? – ele voltou correndo para o vidro sem se queixar – O que ele está trazendo?

- Não deu pra ver ainda.

- É macarrão!

- Qual? – ainda não tinham conseguido ver – Qual?

- Parece ser um comum com molho de tomate.

- Delícia! Delícia!

Vítor sentou em sua mesa sem imaginar que era alvo de uma discussão, pegou uma taça de vinho e comeu todo o macarrão com bastante queijo.

- Ele vai repetir, sempre repete – disse o menor se gabando de seu conhecimento sobre o cara que eles gostavam de observar. Realmente Vitor repetiu o prato, após terminar a refeição, porém se virou e encarou os três.

- Ele olhou pra gente – diz o maior.

- Está vindo pra cá – diz o menor – porque não aproveita e pede o macarrão para ele?

- Não seja idiota, vamos nadando! – então o mais rabugento se põe a nadar fingindo que está tudo bem e repete para os outros que o imitam – Vamos, não sejam idiotas, vamos nadando!

Vitor fica alguns minutos encarando seu aquário, sem imaginar o que pode passar na mente de peixinhos tão ariscos.

Gustavo Campello

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

COMO JOHN WAYNE FARIA



Vitor chegou tarde da faculdade, um garoto e uma garota esperavam o elevador na portaria do prédio, como acontece nesses lugares, o silencio imperava, não se entreolhavam, não falavam entre si, porque afinal de contas todos moravam em uma cidade grande e tinham uma reputação a zelar. Reputação de escrotos.

O elevador chegou, Vitor abriu a porta e esperou para que a garota passasse, podia ser meio rabugento, reclamão e encrenqueiro, mas tinha o cavalheirismo dos antigos filmes de faroeste que cresceu vendo. Para a sua surpresa o outro cara que estava lá passou na frente e entrou no elevador. Vitor pensou em pegá-lo pelo colarinho e tirar ele do elevador dando-lhe um pé na bunda para que a garota entrasse antes, era isso que John Wayne teria feito. A garota pareceu nem perceber nada e entrou logo depois, Vitor entrou por último e ficou encarando o cara.

- Sinto muito! – disse Vitor rompendo o silêncio enquanto o elevador passava pelo primeiro andar.

- Pelo que? – respondeu o sujeito

- Não percebi que era uma mulher, você parece um cara pra mim.

- Do que você está falando?

- Achei que fosse homem.

- Eu sou homem!

O elevador chegou ao terceiro andar, parou e a mulher saiu dando uma risadinha

- Não, não é! – o garoto era um almofadinha desses que nunca haviam levado um soco na cara e que tentavam evitar uma briga a todo custo – se fosse um homem não passaria na frente de uma garota para entrar no elevador.

- Ah.... isso? – ele pareceu aliviado, achando que isso não era nada de importante – estamos no século vinte e um cara, não existe mais isso.

- Sei, então quer dizer que se eu te chamar de lambe bostas arregaçado filho da puta dos quintos dos infernos não é falta de educação?

O elevador passava pelo sétimo andar e o garoto voltou a ficar nervoso, viu que Vitor não estava pra brincadeira, aquilo era assunto sério para ele.

- Bem... eu não quero encrenca cara...

- Tarde demais!

- Não precisa me bater cara! – o elevador chegou no andar dos dois, parece que moravam no mesmo andar, porém Vitor entrou na frente da passagem impedindo a saída do seu oponente – vamos esquecer isso, tudo bem?

- Tudo bem! – disse Vitor apertando o botão do térreo de novo, a porta se fechou e ambos ficaram sozinhos de novo, na descida não teve conversa, mas pareceu uma eternidade, o destino parecia não chegar nunca.

Vítor abriu a porta no térreo, pegou o sujeito pelo colarinho e o atirou do elevador com um chute na bunda, fechou a porta e voltou para o seu apartamento sozinho pensando que isso era exatamente o que John Wayne faria.

Gustavo Campello

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

MACONDO



Vitor terminara de ler Cem Anos de Solidão de Gabriel Gárcia Márquez e ficou a pensar sobre o assunto, sempre se sentiu só, fora do mundo real, quase como um personagem de alguma crônica maluca de um escritor sem coração.

O que mais gostou do livro não foi a mensagem ou os personagens, um mais diferente do outro, porém carregando o fardo da solidão nas costas, não, gostou da cidade imaginária chamada Macondo, gostaria de se mudar para algum lugar assim, longe, com pessoas simples de vida simples, são tantos os personagens no livro que quem lê até esquece que a cidade é quase que a personagem principal.

Odiava viver em uma cidade grande onde pessoas se esbarram e nem dizem “‘tarde” ou “té logo”, onde a falta de educação já se instalou quase como uma nova cultura de massas, odeia ir para a faculdade e ver um bando de pessoas que acatam tudo de cabeça baixa porque não querem um ensino melhor, só querem o diploma para poder trabalhar com seus pais em alguma firma familiar.

Definitivamente no mundo de hoje não há mais lugar para um Coronel Aureliano Buendía lutando suas 32 guerras e perdendo todas, não há heróis, simples assim. Vitor desde pequeno quando ouvia as pessoas perguntarem “O que quer ser quando crescer?” nunca teve duvidas e respondia “Herói!”. O tempo passou e a resposta era sempre a mesma, mas foi percebendo que o mundo não quer nenhum herói, não quer soluções para os problemas, quer apenas continuar existindo da maneira que é. Errado.

Ano de eleições, ele olha para os candidatos e só consegue dizer uma coisa:

- Cornos! – clama por mudanças e grita – Viva o Partido Liberal!

Sabe que vai para as urnas e votar nulo de novo, pois não acredita mais em mudanças, mataram o herói dentro dele, o Partido Liberal está aliado ao Partido Conservador.

Vote Tiririca? Pior que ta fica!

Gustavo Campello

domingo, 5 de setembro de 2010

BRIGA PÚBLICA



- Eu não agüento mais isso – dizia o cara.

Vitor estava indo para a casa de Beatriz, já era noite, em uma esquina este cara estava discutindo com sua futura ex-namorada no telefone celular.

- Pelo amor de Deus – dizia o cara gritando – eu não agüento mais isso!

Vitor achou a situação do cara engraçada, parou ali na esquina e ficou escutando a conversa.

- Eu não comi ela! – o cara nem tinha percebido a presença de Vitor ali, olhando para ele – Se eu tivesse comido eu dizia!

“Claro”, pensou Vitor, “E eu sou o Papa!”

- É o jeito dela! – Vitor deu uma risada e o cara percebeu que tinha alguém de platéia – Que foi seu filho da puta? Nunca viu não?

- Ah – respondeu – Continua, não deixa a mina na linha!

- Calma! – disse ele pra namorada – Tem um cara aqui tirando onda comigo ouvindo nossa conversa!

- Se eu quisesse tirar onda com alguém – disse Vitor segurando o riso – com certeza você seria o primeiro, amigo!

- Qualé a sua hein?

- Qualé a minha?

- É!

- Não sou eu que estou gritando no meio da rua dando explicações pra namorada em um telefone celular, qualquer um pode parar e ouvir – Vitor não acreditava no sujeito, lembrou do passado e de como já esteve no lugar dele – Eu que pergunto, qualé a sua?!

- Eu vou desligar o telefone um minutinho – o cara ficou roxo de raiva e disse – não, porra! Não é outra mulher que está aqui!

Vitor riu mais ainda deixando o sujeito numa situação bem comprometedora.

- Ta rindo do que?

- De você!

- Porque?

- Você ta ridículo! Manda ela ir se ferrar!

- Mas eu gosto dela!

- Problema seu – Vitor ficou sério e disse – ta na cara que ela não gosta de você!

Vitor foi embora, o cara já não tinha mais tanta graça, só esperava que suas palavras pelo menos o tivessem ajudado um pouco, bem... isso ele nunca iria saber.

Gustavo Campello