terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

UMA CANÇÃO HIPNÓTICA INVERSA COMPOSTA EM UM BAR HÁ MUITO TEMPO ATRÁS



  Dedicado ao amigo Delfin

Era sábado, 10:15 da noite, o bar Enxame estava cheio de gente para assistir ao show da banda Formigas de Mercúrio. Eu estava sentado ao fundo, era a centésima quinta vez que eu ia escutar os caras, eles eram bons, mas já estava enjoando, todo sábado a noite era a mesma coisa. O mundo estava enlouquecendo, eu via e não via, sentia cogumelos em cima de cabeças vazias, tentáculos retorcendo dentro dos cérebros se alimentando de pensamentos, controlando, espreitando, invadindo...

A banda entra no palco, ninguém liga muito, todos estão querendo apenas uma bebida gelada, indo e voltando de seus trabalhos sem imaginar o real motivo de suas vidas parecerem tão patéticas, sem sequer se indagarem sobre isto. Diria que mais de metade do bar está infectada, sinto o cheiro, ouço os tentáculos, é quase como se pudesse enxergar seus espectros acima dos corpos desfalecidos que não reagem mais a nenhum estimulo.

Quando eles começam é quase como se a música fosse hipnótica, todas as pessoas no recinto saem de um estado de transe e começam a agir naturalmente, pulam, brigam, conversam, namoram e por uma hora e meia suas vidas valem a pena.

Ele vivia num plano
E passou pra outro plano
Ele fugia do destino
E ele era pequeno
No porão amigável
Surgia um cenário afável
Eles não tinham dentes
Eles eram doentes
Robôs em miniaturas
Mecanizados pela altura
Controlavam uma mente
De um cara que era doente
E vivia com uma garota
Bêbada da gota
Que amava o controlado
E descem no telhado ao contrário
Encontrando nos anos 80
O metrô que era retro
O convite do Bowie aceito
Pois o passado era seu direito

Os Formigas de Mercúrio são ovacionados, tudo mecanizado. É assim todo sábado. Esta é a música Duendes Mecânicos, o maior sucesso deles, esta foi a primeira vez que encerram um show com ela. Alguma coisa está prestes a mudar.

Gustavo Campello (Texto)

Delfin (Canção)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

QUEM É ESTA FILHA DA PUTA QUE ACORDOU DO MEU LADO?



Eu amava uma mulher ontem, hoje não amo mais.

Culpa dos duendes mecânicos que abriram minha cabeça e apagaram tudo. Mexeram no meu cérebro como se ele fosse gelatina. Quantos miolos se perderam no chão do quarto? Qual sinapse continha o nome dela que não me recordo? Eles queimaram aquela sinapse? Substituíram por outra?

Não me lembro se eu a amei durante muito tempo ou só por ontem.

Ontem pode ter sido uma vida inteira. Quanto dura uma vida?

Hoje acordei e havia outra mulher na minha cama, não era a mulher que eu amava. Definitivamente o sorriso era diferente. Os duendes fizeram um péssimo trabalho. Esqueceram de revirar alguma massa encefálica aqui dentro. Aquelas mãos de aço e óleo estão ficando enferrujadas. Não se fazem mais duendes mecânicos como antigamente.

Devo procurar por meu amor? Ela se lembrara de mim? Ainda estará aqui no mundo Intermediário? Terá ido embora no trem escondido nos subterrâneos? Duendes mecânicos vivem nos subterrâneos entre pessoas sem corações com peles queimadas onde larvas crescem em meio a pus e putrefação. Terá ela conseguido fugir daqui para o mundo Posterior?

Estará ela triste e arrasada porque me perdeu?

Se ela não se lembrar de mim, então não terei sido ninguém.

Levanto e tiro a desgraçada que dorme no lugar dela.

- Querido! – ela está assustada, é bom que esteja mesmo – O que está fazendo?

Dou-lhe uma bofetada, ela não tem o direito de me chamar de querido. Pego o abajur e quebro-lhe na testa. Chuto seu nariz, uma papa de sangue incomoda entre meus dedos do pé. E enquanto continuo a golpear pergunto “Onde está ela?”. Ela chora e lágrimas se misturam com seus dentes caídos no chão.

- Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela?

Escuto um barulho de porta se abrindo. Aquela porta não estava ali há cinco minutos. Duendes mecânicos saem dela. Vieram me pegar! Os bastardos! Caem em cima de mim como um enxame de latas de sardinhas.

- Venham me pegar seus robôs de merda! – e eles me pegam! Sou arrastado para a porta que não estava ali. Para os subterrâneos.

Tomara que me coloquem no trem. Tomara que não queimem minha pele e arranquem o meu coração. Tomara que minha amada esteja lá me esperando.

Gustavo Campello

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

LARVAS DE MOSQUITO NO MEU BRAÇO QUEIMADO



Sou negra, gay, ateia, pobre e viciada.
Viciada nos elétricos injetáveis de uma sociedade sem moral que me condena por ser parte de uma minoria escrota. Nascida sem pau em um mundo de homens. Preciso de um pau elétrico para fazer parte do mundo fálico masculino. Um pau grande, duro e eletrônico com cheiro de sêmen falso para algum filho da puta me levar a sério.

Sou filha do fogo. O fogo é meu único Deus. O único Deus que extermina tudo e não deixa que nos machuquem. Porque a carne queimada fede, mas é imune a dor. Moscas depositam seus ovos e larvas nascem na minha pele queimada e o Deus-Fogo as deixa imaculada para voar, um Deus que não acredito. De corpo em corpo elas voam e infectam mais carnes queimadas. Pessoas vivendo no subterrâneo com suas carnes queimadas cheias de larvas de mosquitos. Ninguém olha para elas. Ninguém se importa com elas. Elas são escória. São Sujas. Vivem a margem, nos subterrâneos. Elas sou eu. Negra chorando no fundo de um porão de um navio negreiro. Gay espancado na sarjeta com seus miolos indo embora pelos bueiros carregados pela chuva. Ateia em uma câmera de gás sem roupa com a pele em contato com outros descrentes de merda que sentem a pele derreter em meio a gases do grande Deus-Fungo (que não acreditamos). Pobre desdentado, comendo sopas servidas por padres que querem chupar seu pau em troca de comida, sorvendo toda a gosma do Deus-Fungo para dentro de uma religião que prega o ódio. Viciada em elétricos eletrônicos de ultra-técnologia.

O Deus-Fungo controla a cabeça dos olhos-abertos-que-nada-vêem e o Deus-Fogo é seu inimigo. O Deus-Fogo não controla ninguém. O Deus-Fogo odeia seus discípulos, o Deus-Fogo odeio a todos. Apenas queima! Queima sua pele para os parasitas-mosquitos.

Os parasitas mosquitos lançam ideias, minha cabeça tem ideias que não são minhas. Ideias que pertencem a realidade. Minha pele putrefata vomita larvas que morrem em peles não-queimadas.

Deus-Fogo é meus pastor, tudo me machucará.

Minha vida é controlada por duendes mecânicos que moram embaixo da minha casa e não há nada que eu possa fazer. Quero sair do subterrâneo, quero ser como todos que o Deus-Fungo controla, mas é tarde demais. Uma vez no subterrâneo você está preso pra sempre no monte de esterco da realidade.

Meu cérebro é meu porque sou uma preta bixa não-crente ralé junky da sociedade!

Mas não me tirem do subterrâneo, não tirem as larvas do meu braço queimado. É tudo que eu tenho! É tudo que me resta..

Gustavo Campello