quinta-feira, 18 de setembro de 2014

FERZAN



Ferzan vive uma vida silenciosa, gosta de tocar sua guitarra porque ela é barulhenta. Gosta do barulho que ele mesmo não pode fazer. Gritar com as pessoas, falar palavrões ao Deus-Fungo, xingar seus amigos...  Seus amigos que também são integrantes do Formigas de Mercúrio. Ferzan que inventou o nome da banda, eles não fazem ideia de onde ele tirou a ideia, eles não fazem ideia do que é Mercúrio, eles não fazem ideia de quem é Ferzan.

Ferzan é o homem que sonha acordado, uma anomalia no Edifício, ninguém desconfia. Se os Duendes Mecânicos desconfiarem ele pode ser arrastado para o subterrâneo, ter o coração arrancado e viver uma eternidade com larvas crescendo em sua pele.

Fugir é inevitável, ele sabe que existe algum lugar de fuga, ele sabe que seus sonhos um dia o irão levar para o Maquinista, mas até lá ele precisa tomar cuidado. Sempre alerta. Suas ideias são um perigo. Ele sabe que a cerveja vem da cevada, ele sabe que pessoas plantam a cevada, sabe sobre o processo de fermentação, sabe de tudo por causa dos sonhos que tem. Mas tudo acontece no Mundo Posterior. Ferzan sabe mais do que gostaria sobre tudo.

Seus olhos nunca se fecham. Quando fica muito tempo focando algo o Mundo Posterior se abre para ele, não se lembra exatamente quando isso começou. Sua memória não é boa, por mais que tente se lembrar do Mundo Anterior, não lhe vem nada.

Enfraquecidos o tempo todo, só para poder passar o tempo
Eu em meu próprio mundo, sim você aí ao lado
As aberturas são enormes, olhamos de cada lado
Nós éramos estranhos e por muito tempo distantes

Ele canta o trecho da música sabendo que a música não foi composta por ele. Nenhum dos integrantes da banda imaginaria que as letras não são compostas por ele. Bram já tentou compor algumas músicas, mas não ficaram tão boas. Ferzan é o grande compositor, mas nada é composto por ele. Tudo vem dos sonhos acordados.

Ele é estranho para um guitarrista, gosta de ficar nas sombras, afastado de tudo, longe das badalações da banda. O mais quieto, o mais discreto e o mais distante deles. Seus amigos se acostumaram com seu jeito esquisito, mas muitas pessoas preferem não se acostumar, não se aproximar.

Distante.

Sonhando.

Os Duendes Mecânicos não podem saber dele. Ferzan não pode confiar em ninguém, contar pra ninguém, pois os Duendes Mecânicos estão em toda parte. O Deus-Fungo não é onisciente, se fosse, Ferzan já estaria morto.

- Foda-se o Deus-Fungo – ele diz em voz alta. Arrepende-se no exato momento, mas nada acontece. “É...” – pensa – “O puto não é onisciente”.

Gustavo Campello

terça-feira, 9 de setembro de 2014

BECK



O primeiro show principal internacional daquele Rock In Rio III era do Beck, um cara que vinha sendo chamado de o novo David Bowie, que estava revolucionando a música. Logicamente que uma comparação com o David Bowie era muito exagerada, mas o cara vinha realmente revolucionando em alguma coisa. Parece que foi caindo no ostracismo com o tempo, pois faz muito tempo que não escuto nada de novo dele, desde Everybody’s Got To Learn Sometimes que ficou famosa com o filme Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.

Antes de começar o show alguns idiotas faziam piadas infames como “Onde está o Beck?”, e riam procurando por algum baseado no bolso. Humor infantil. Vitor não tinha paciência pra este tipo de humor. Sentia certa vergonha alheia que o incomodava. Quando ninguém achava mais graça o idiota repetia “Onde está o Beck?” e ria sozinho.

Finalmente Beck entrou em cena tocando Novacane, seguida de The New Pollution. Ambas eram do álbum Odelay, seu trabalho mais famoso que havia sido lançado em 1996. O show teve mais músicas do Odelay do que do álbum Midnite Vultures que era mais recente. Beck ainda hoje grava suas músicas, neste ano de 2014 mesmo lançou o Morning Phase, mas naquele show parecia que ele meio que confirmava algo do tipo “Odelay é meu melhor álbum mesmo, então não vou cantar muitas músicas do álbum novo que não vale a pena”. E isto era estranho.

Logo em seguida tocou Loser, a música que o catapultou para o estrelato. Quem aqui viveu nos anos 90 e nunca ouviu Loser é porque estava passeando em alguma colônia em Marte na época. A galera foi a loucura. O idiota perto de Vitor dava uma tragada no baseado e falava alto pra ele mesmo “Putz, este Beck tá da hora!”.

Foi só na quarta música que o álbum novo deu as caras, com Mixed Bizness. Ele acabou tocando só mais duas dos novos sons, Nicotine & Gavy veio logo na sequencia e Milk & Honey foi tocada lá pro meio do show.

Mas foi com a música Tropicalia, no meio do show, que Beck pareceu se encaixar bem com o jeito abrasileirado do festival:

you're out of luck
you're singing funeral songs
to the studs
they're anabolic and bronze
they seem to strut
in their millennial fogs
'til they fall down and deflate

Devil’s Haircut parecia que ia fechar a noite, a música chegou a ser número 1 nas paradas da MTV aqui no Brasil. O show estava muito bom e ele resolveu dar um bônus pra galera com Where It’s At. Se despediu e Vitor, que estava no meio da galera, conseguiu chegar mais perto do palco quando todos começaram a correr pro banheiro.

Gustavo Campello