Esta roupa de astronauta
está começando a me incomodar, estou apertado, sorte que a roupa de astronauta
tem um compartimento pra se mijar e continuar seco. Não ia gostar de morrer
todo mijado. Uma coceira na nuca cresce, eu tento mexer a minha cabeça e
empurro para trás pra tentar fazer a nuca se esfregar na vedação entre o
capacete e a roupa.
Não consigo coçar a nuca
direito, tento pensar em outra coisa.
Gostaria de poder usar um
banheiro pela última vez.
Tento me mexer um pouco,
mas a roupa restringe os meus movimentos. Tento me esticar, faz um bom tempo já
que estou vagando pelo espaço sem me mexer. Minha perna já está formigando e
meu pescoço está tenso demais. Puxo os meus ombros para trás, isto alivia um
pouco.
A cabeça não vai para
trás, o capacete não deixa. Posso apenas virar o pescoço para a esquerda e para
a direita. Não é o suficiente para aliviar o desconforto.
Tem pessoas que sentem
conforto ao ficarem em casa, deitados em uma boa cama ou numa poltrona, outros
preferem ficar boiando em uma piscina em um dia de sol. Eu gostava de mato,
acampar e olhar para o céu estrelado de noite. Naquela época achava que o céu
visto do meio de uma floresta era o mais estrelado possível, mas descobri que
fora da atmosfera não existe nem comparação.
Deitava em alguma pedra ou
no chão forrado de folhas e ficava horas a meditar sobre as coisas. Para mim
isto era conforto. Não havia barraca, gostava de ficar ao sereno e sentir o ar
gelado entrar nos pulmões. O barulho das folhas balançando, grilos e cigarras
cantando, o fogo da fogueira estalando a madeira seca e o som intermitente de
algum riacho bem ao fundo.
Na manhã seguinte se podia
pescar no riacho, limpar o peixe e fazer na hora com a fogueira ainda acesa da
noite anterior. Sempre achei que devia ter nascido há tempos atrás, em uma
época mais simples. Sou um homem vivendo no seu tempo errado.
Minha irmã dizia que eu
devia ser a reencarnação de algum homem do mato, mas não sei se acredito em
reencarnação. Se existe espero que a gente reencarne do futuro pro passado, não
quero ir mais pra frente. Gostaria de voltar ao planeta em uma época mais
simples, pra trás. Quem sabe?
A única coisa ruim do mato
são as moscas, se houvesse uma mosca no meu capacete já havia enlouquecido.
Teria tirado ele e morrido sem oxigênio só pra não ter que ficar agüentando
aquele zumbido no ouvido ou sentir aquela mistura de patas finas em meio ao
suor.
Odeio moscas.
Gostaria de sentir o
conforto de um abraço pela última vez.
O conforto da paz.
Nunca senti paz com um
abraço, sempre me senti inseguro em todos eles. A paz é o sentimento de
completude. Só senti a paz no meio do mato e talvez agora, aqui, morrendo no
espaço em meio ao nada.
Apesar de tudo, da morte
espreitando cada vez mais, da solidão, do desconforto e do desespero...
Sinto-me completo, em paz.
Não é estranho?
Gustavo
Campello
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