quinta-feira, 15 de novembro de 2012

DIVAGAÇÕES SOBRE O CONFORTO



Esta roupa de astronauta está começando a me incomodar, estou apertado, sorte que a roupa de astronauta tem um compartimento pra se mijar e continuar seco. Não ia gostar de morrer todo mijado. Uma coceira na nuca cresce, eu tento mexer a minha cabeça e empurro para trás pra tentar fazer a nuca se esfregar na vedação entre o capacete e a roupa.

Não consigo coçar a nuca direito, tento pensar em outra coisa.

Gostaria de poder usar um banheiro pela última vez.

Tento me mexer um pouco, mas a roupa restringe os meus movimentos. Tento me esticar, faz um bom tempo já que estou vagando pelo espaço sem me mexer. Minha perna já está formigando e meu pescoço está tenso demais. Puxo os meus ombros para trás, isto alivia um pouco.

A cabeça não vai para trás, o capacete não deixa. Posso apenas virar o pescoço para a esquerda e para a direita. Não é o suficiente para aliviar o desconforto.

Tem pessoas que sentem conforto ao ficarem em casa, deitados em uma boa cama ou numa poltrona, outros preferem ficar boiando em uma piscina em um dia de sol. Eu gostava de mato, acampar e olhar para o céu estrelado de noite. Naquela época achava que o céu visto do meio de uma floresta era o mais estrelado possível, mas descobri que fora da atmosfera não existe nem comparação.

Deitava em alguma pedra ou no chão forrado de folhas e ficava horas a meditar sobre as coisas. Para mim isto era conforto. Não havia barraca, gostava de ficar ao sereno e sentir o ar gelado entrar nos pulmões. O barulho das folhas balançando, grilos e cigarras cantando, o fogo da fogueira estalando a madeira seca e o som intermitente de algum riacho bem ao fundo.

Na manhã seguinte se podia pescar no riacho, limpar o peixe e fazer na hora com a fogueira ainda acesa da noite anterior. Sempre achei que devia ter nascido há tempos atrás, em uma época mais simples. Sou um homem vivendo no seu tempo errado.

Minha irmã dizia que eu devia ser a reencarnação de algum homem do mato, mas não sei se acredito em reencarnação. Se existe espero que a gente reencarne do futuro pro passado, não quero ir mais pra frente. Gostaria de voltar ao planeta em uma época mais simples, pra trás. Quem sabe?

A única coisa ruim do mato são as moscas, se houvesse uma mosca no meu capacete já havia enlouquecido. Teria tirado ele e morrido sem oxigênio só pra não ter que ficar agüentando aquele zumbido no ouvido ou sentir aquela mistura de patas finas em meio ao suor.

Odeio moscas.

Gostaria de sentir o conforto de um abraço pela última vez.

O conforto da paz.

Nunca senti paz com um abraço, sempre me senti inseguro em todos eles. A paz é o sentimento de completude. Só senti a paz no meio do mato e talvez agora, aqui, morrendo no espaço em meio ao nada.

Apesar de tudo, da morte espreitando cada vez mais, da solidão, do desconforto e do desespero... Sinto-me completo, em paz.

Não é estranho?

Gustavo Campello

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