Eu acordo de manhã
e vejo Rachel dormindo ao meu lado, estamos casados há exatamente cinco anos,
não consigo me cansar de observá-la enquanto dorme. Posso ficar assim durante
horas. Ela acorda, abre os olhos lentamente e me da um sorriso.
- Ela já acordou?
Não faço a mínima
idéia do que ela está falando.
Seu rosto começa a
se desfazer e dar lugar para as infinitas estrelas no fundo preto que é o
universo. Já comecei a sonhar acordado.
Não é sono nem
cansaço, mas um efeito colateral do desespero. Apesar de estar flutuando em um
espaço gigantesco estou tendo espasmos claustrofóbicos por causa da roupa.
Sinto frio durante alguns minutos e logo depois sinto calor e vontade de ficar
pelado. Tento me manter controlado, mas é cada vez mais difícil.
- Quem já acordou?
– eu respondo – do que você está falando?
- Danika – ela
responde – nossa filha?
- Nossa filha?
Eu não tenho uma
filha ou um filho ou qualquer tipo de descendência. Tudo o que eu fiz, termina
em mim.
Porque isto me
incomoda agora?
Pra que colocar uma
criança em um mundo caindo aos pedaços?
Colocamos nossos
sonhos que não se realizaram, nossos desejos não consumidos e nossas
expectativas inalcançáveis em crianças que nada tem haver com tudo isso. Somos
monstros escondidos nos armários de nossos filhos.
Tento voltar ao
sonho acordado sem sucesso. O rosto de Rachel se desfaz com o brilho das
estrelas e tento imaginar porque nossa filha chamava Danika. Como ela seria?
Um sentimento
egoísta invade meu peito e penso que deveria ter tido uma filha, mas tento
pensar em uma razão lógica para ter tomado este passo em minha vida e nada vem
a minha mente. Não existe um motivo.
Somos produtos de
uma sociedade depravada com sonhos que nossos pais enfiam em nossos cérebros.
Não que eu esteja reclamando. Mas creio que não seja muito saudável para
ninguém crescer assim e talvez seja por este motivo que somos tão pouco
suscetíveis as frustrações da vida. Uma criança que nascia nos primórdios da
humanidade não tinha escolha, ela teria que ser um caçador para poder alimentar
sua família, ponto, fim de história. Opções demais estragaram como as coisas
deveriam ser.
- Você está
passando bem? – ela pergunta colocando a mão na minha testa para medir a
temperatura.
- Sim – eu respondo
segurando sua mão – só gostaria que você descrevesse nossa filha para mim.
- Bagunceira,
brincalhona, cabelo preto e curto...
- Não consigo te
ouvir – eu digo tentando prestar atenção no sonho.
- Organizada,
emburrada, cabelo longo e loiro...
Estou perdendo o
foco, por um momento acho que vou desmaiar, mas acordo repentinamente com a
adrenalina a mil por causa de uma luz forte vindo da estação espacial ao
longe... Ela pisca... Código Morse... Estão me mandando um sinal!
Gustavo
Campello
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