Vitor
pega uma faca na cozinha, é a mais nova, lustrada e afiada faca que ele possui.
Ele olha o cabo de madeira, os botões metálicos que o prendem a lamina e
observa os contornos da madeira, sente a textura do que foi uma árvore um dia.
A lâmina reflete a luz da sala, porém seu reflexo não é muito nítido. Ele
encosta o dedo na lâmina e sente o dedo gelar, pressiona e sente o dedo cortar,
o sangue escorre na horizontal até a palma da sua mão.
Ele olha
para o apartamento bagunçado, todo bagunçado, parece que a única coisa que
continua intacta na sua vida é o aquário, mas mesmo assim percebe que todas as
plantas estão praticamente mortas. Decide que na sua próxima folga vai limpar
ele todinho. Volta a olhar para a faca e lembra-se do trecho de um conto que
lera.
“Eu
tracei uma cicatriz, pétalas peroladas, em minha testa. Sim, marquei minha
mágoa e minha fortaleza no rosto, desprezando um lugar entre os 99%, aqueles
perfeitos e sem marcas desde o nascimento.”
“Se eu
fizer um corte no meio do peito” – divaga Vitor – “Será que a dor física supera
a dor mental?”
A faca é
tensionada no peitoral, a carne vai rasgando, uma música do Atari Teenage Riot está tocando no último volume, seu
grito é camuflado, se mescla a música, o sangue escorre e pinga no azulejo do
banheiro. Ele nunca havia percebido que o piso não é branco e sim de uma cor
amarelada.
“Como eu
não poderia? Como poderia das as costas para os intencionalmente deformados, os
atrofiados de propósito, pessoas de brinquedo que nos ensinaram a criar como
animais domésticos?”
Então vem
o alívio, por uma fração de segundos toda a dor vai embora, nenhuma
preocupação, nenhuma solidão, nenhuma dor, nenhum desconforto. A ferida vai
começando a arder bem aos poucos, quase imperceptível, como uma coceira que não
nos incomoda. Quando a dor atinge seu ápice tudo retorna com mais força, a
preocupação, a solidão, a dor e o desconforto.
Mas
aqueles segundos são o que importa, aquele tempo ridiculamente pequeno em que
tudo se dissipa, se esvai como fumaça entre os dedos. Aqueles segundos já fazem
a vida valer a pena, Vitor pensava que nunca iria se sentir assim, livre de
tudo e por alguns segundos alcançou o que buscava.
A faca
ainda está em sua mão, que aperta firme o cabo de madeira, a lâmina esta
vermelha e o sangue pinga até formar uma poça de sangue que se mistura ao
tapete vermelho. Vitor se olha no espelho, não gosta do que vê e o quebra com
um murro.
Mais sete
anos de azar.
Gustavo Campello
(Texto em Itálico retirado do conto Eu Fui
Uma Engenheira Genética Adolescente de Denise Angela Shawl)
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