Há moscas
somente no subterrâneo, pois no Edifício não há nenhuma outra forma de vida que
não seja humana. Animais são vistos e reconhecidos somente por causa dos sonhos
com o Mundo Posterior.
Em um sonho
um homem está sentado no banheiro cagando enquanto olha uma mosca no azulejo ao
lado do seu dedão do pé. E ele se sente igual a mosca. Não há diferença nenhuma
entre o homem sentado na privada e aquela mosca ao lado do seu dedão, para o
universo eles são tão pequenos e insignificantes que poderiam ser um só. Na
ordem das coisas não alteram nada. São nada. Pó. Ínfimos átomos de um elefante.
Como
processar este pensamento sem nunca ter visto um elefante? Como mensurar o
sonho vivendo no Edifício? Como entender o azul do céu olhando para o concreto?
Como entender o cheiro do mato após uma chuva vivendo em um ambiente onde o ar
é parado, impregnado pelo cheiro de poeira e sem vento? Ferzan entende, mas de
nada adianta para ele entender estas coisas, pois sente medo de fazer algo a
respeito e a vontade de se movimentar em direção a algo lhe deixa com a alma
morta.
Tem horas
que tem vontade de arrancar o coração e ir para o obscuro subterrâneo viver com
outros que devem ter sentido algo como ele. Sente que não há fuga, sente que
não há o que fazer, quando tudo o que queria era sentir o vento lhe batendo na
cara, o cheiro de terra molhada entrando nas narinas. Livre!
Liberdade
não é seguir sonhos, mas dar valor para o que se tem. Ferzan não tem nada.
Ferzan sabe demais em um mundo controlado por Duendes Mecânicos. Tem medo. Vive
fingindo ser quem não é. Queria conhecer outros como ele.
Já tentou
morrer como as pessoas do Mundo Posterior, mas sempre acorda intacto no dia
seguinte. Parou de tentar e aceitou sua situação após arrancar o braço,
desmaiou, no dia seguinte estava intacto.
Malditos
Duendes Mecânicos!
Não deixam
ninguém morrer, não deixam ninguém viver. Pobre Ferzan, mal sabe ele que por
aqui é assim também.
Gustavo Campello
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