Sinto
saudades de tanta coisa. Acabo de pensar em um prato de arroz, feijão e um bife
a milanesa. Faz tanto tempo que não como isso. Se eu soubesse que ia morrer
aqui no espaço teria comido arroz, feijão e bife a milanesa durante o mês passado
inteiro. É estranho como as coisas mais fúteis e que parecem insignificantes é
o que nos faz mais falta.
Lembro-me
de quando ganhei um pote de mel da Silvana, estava escrito “Para sarar logo da
gripe para me dar beijinhos”. Tenho saudades de ganhar presentinhos carinhosos
de alguém, a vida de um astronauta às vezes é fria e metódica demais. Ganhei
presentes que na hora achei bobos e sem sentidos, porém são desses presentes
que sinto saudades. Gostaria de estar com aquele pote de mel agora, só para segurar
ele e ler a mensagem no lugar do rótulo quantas vezes eu conseguisse.
Sinto
saudades de ser eu mesmo, carreguei tanta coisa inútil nos meus ombros por
tanto tempo. Devia ter me livrado desse peso todo há muito tempo atrás. Vagando
neste espaço completamente sozinho, percebo agora que vou aos poucos me
livrando de coisas que não precisava ter guardado. Nunca estive tão leve, mesmo
estando dentro de uma roupa que pesa aproximadamente cento e trinta quilos.
Cada
assunto que passa pela minha cabeça nesses momentos finais são como exorcismos
instantâneos.
Voltando
a pensar em saudade, dizem que não existe tradução para esta palavra em outras
línguas. Bobagem. Saudade é sentir falta e ponto, tem gente que gosta de
complicar.
Eu sinto
falta do seu toque, sinto falta do seu sorriso, sinto falta do seu olhar, sinto
falta do seu bafo pela manhã, sinto falta do seu entusiasmo com a vida, sinto
falta do seu cabelo e sinto falta dos seus presentinhos.
Sinto
falta de sentir medo, perdi o medo das coisas há muito tempo atrás, não estou
com medo porque vou morrer. Sinto tristeza pelo fim da minha vida, tão
precocemente, com tantos planos ainda por vir, mas medo?
O medo
foi-se embora com você, de mãos dadas, por culpa minha e de mais ninguém. Tenho
saudade do medo.
Tenho
saudade de acampar, quase nunca fiz isso, foram tão poucas vezes. Gostaria de
ter acampado mais, olhado o sol refletir em algum lago ou em um campo florido
entre as árvores. Sentir a terra entre meus dedos e poder ouvir o som tão
diferente do barulho da cidade. Sinto saudade de uma tarde de um domingo
qualquer onde pesquei com o meu pai, foi a primeira e a última vez que pesquei
com ele. Levamos os peixes para casa e morreram todos sem oxigênio em um balde
grande. Eu era pequeno e chorei porque os peixes morreram.
Tenho
saudade da comida da minha mãe, já faz tantos séculos que saí debaixo de suas
asas que o desfrute de seus quitutes foi tornando-se cada vez mais escasso com
o passar do tempo.
Meu
irmão, sinto saudade da revista pornográfica que escondíamos no teto de um
armário velho na casa de nossos avós.
Percebo
agora que sinto saudade de muita coisa, mas no fundo de uma só...
Sinto
saudade de estar vivo.
Gustavo
Campello
UAU! Esta é a Crônica de número 100!
ResponderExcluirCentésima crônica do BLOG! Eu estou um pouco emocionado, mesmo sabendo que pouca gente lê isso aqui! Poucas pessoas sabem somo isso aqui é importante pra mim, como eu levo isso aqui a sério... esse lance de escrever.
Queria dedicar esta crônica a uma pessoa, mas acho que não preciso.
Obrigado a todos que de alguma forma leêm isto aqui.
Engraçado pensar que quando eu começei com isso em 22 de Julho de 2010 eu tinha acabado de passar uma tarde com meu "irmão" Claudio Batz e que muita coisa que eu passei depois que ele se foi está escrito aqui. Lembro que escrevi a primeira crônica e fomos comer pizza na casa dele e as vezes escrever aqui é intensamente doloroso, mas é algo que me mantém inteiro.
Saudade de todo mundo que fez parte das Crônicas de Scaglia e que tem me ajudado de algum jeito neste meu momento "Astronauta morrendo no espaço!"
Valeu mesmo! To meio emocionado!
Não lembro como cheguei aqui, mas ainda bem qua achei! Eu me encontro demais nos textos!
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