terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

UMA CANÇÃO HIPNÓTICA INVERSA COMPOSTA EM UM BAR HÁ MUITO TEMPO ATRÁS



  Dedicado ao amigo Delfin

Era sábado, 10:15 da noite, o bar Enxame estava cheio de gente para assistir ao show da banda Formigas de Mercúrio. Eu estava sentado ao fundo, era a centésima quinta vez que eu ia escutar os caras, eles eram bons, mas já estava enjoando, todo sábado a noite era a mesma coisa. O mundo estava enlouquecendo, eu via e não via, sentia cogumelos em cima de cabeças vazias, tentáculos retorcendo dentro dos cérebros se alimentando de pensamentos, controlando, espreitando, invadindo...

A banda entra no palco, ninguém liga muito, todos estão querendo apenas uma bebida gelada, indo e voltando de seus trabalhos sem imaginar o real motivo de suas vidas parecerem tão patéticas, sem sequer se indagarem sobre isto. Diria que mais de metade do bar está infectada, sinto o cheiro, ouço os tentáculos, é quase como se pudesse enxergar seus espectros acima dos corpos desfalecidos que não reagem mais a nenhum estimulo.

Quando eles começam é quase como se a música fosse hipnótica, todas as pessoas no recinto saem de um estado de transe e começam a agir naturalmente, pulam, brigam, conversam, namoram e por uma hora e meia suas vidas valem a pena.

Ele vivia num plano
E passou pra outro plano
Ele fugia do destino
E ele era pequeno
No porão amigável
Surgia um cenário afável
Eles não tinham dentes
Eles eram doentes
Robôs em miniaturas
Mecanizados pela altura
Controlavam uma mente
De um cara que era doente
E vivia com uma garota
Bêbada da gota
Que amava o controlado
E descem no telhado ao contrário
Encontrando nos anos 80
O metrô que era retro
O convite do Bowie aceito
Pois o passado era seu direito

Os Formigas de Mercúrio são ovacionados, tudo mecanizado. É assim todo sábado. Esta é a música Duendes Mecânicos, o maior sucesso deles, esta foi a primeira vez que encerram um show com ela. Alguma coisa está prestes a mudar.

Gustavo Campello (Texto)

Delfin (Canção)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

QUEM É ESTA FILHA DA PUTA QUE ACORDOU DO MEU LADO?



Eu amava uma mulher ontem, hoje não amo mais.

Culpa dos duendes mecânicos que abriram minha cabeça e apagaram tudo. Mexeram no meu cérebro como se ele fosse gelatina. Quantos miolos se perderam no chão do quarto? Qual sinapse continha o nome dela que não me recordo? Eles queimaram aquela sinapse? Substituíram por outra?

Não me lembro se eu a amei durante muito tempo ou só por ontem.

Ontem pode ter sido uma vida inteira. Quanto dura uma vida?

Hoje acordei e havia outra mulher na minha cama, não era a mulher que eu amava. Definitivamente o sorriso era diferente. Os duendes fizeram um péssimo trabalho. Esqueceram de revirar alguma massa encefálica aqui dentro. Aquelas mãos de aço e óleo estão ficando enferrujadas. Não se fazem mais duendes mecânicos como antigamente.

Devo procurar por meu amor? Ela se lembrara de mim? Ainda estará aqui no mundo Intermediário? Terá ido embora no trem escondido nos subterrâneos? Duendes mecânicos vivem nos subterrâneos entre pessoas sem corações com peles queimadas onde larvas crescem em meio a pus e putrefação. Terá ela conseguido fugir daqui para o mundo Posterior?

Estará ela triste e arrasada porque me perdeu?

Se ela não se lembrar de mim, então não terei sido ninguém.

Levanto e tiro a desgraçada que dorme no lugar dela.

- Querido! – ela está assustada, é bom que esteja mesmo – O que está fazendo?

Dou-lhe uma bofetada, ela não tem o direito de me chamar de querido. Pego o abajur e quebro-lhe na testa. Chuto seu nariz, uma papa de sangue incomoda entre meus dedos do pé. E enquanto continuo a golpear pergunto “Onde está ela?”. Ela chora e lágrimas se misturam com seus dentes caídos no chão.

- Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela? Onde está ela?

Escuto um barulho de porta se abrindo. Aquela porta não estava ali há cinco minutos. Duendes mecânicos saem dela. Vieram me pegar! Os bastardos! Caem em cima de mim como um enxame de latas de sardinhas.

- Venham me pegar seus robôs de merda! – e eles me pegam! Sou arrastado para a porta que não estava ali. Para os subterrâneos.

Tomara que me coloquem no trem. Tomara que não queimem minha pele e arranquem o meu coração. Tomara que minha amada esteja lá me esperando.

Gustavo Campello

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

LARVAS DE MOSQUITO NO MEU BRAÇO QUEIMADO



Sou negra, gay, ateia, pobre e viciada.
Viciada nos elétricos injetáveis de uma sociedade sem moral que me condena por ser parte de uma minoria escrota. Nascida sem pau em um mundo de homens. Preciso de um pau elétrico para fazer parte do mundo fálico masculino. Um pau grande, duro e eletrônico com cheiro de sêmen falso para algum filho da puta me levar a sério.

Sou filha do fogo. O fogo é meu único Deus. O único Deus que extermina tudo e não deixa que nos machuquem. Porque a carne queimada fede, mas é imune a dor. Moscas depositam seus ovos e larvas nascem na minha pele queimada e o Deus-Fogo as deixa imaculada para voar, um Deus que não acredito. De corpo em corpo elas voam e infectam mais carnes queimadas. Pessoas vivendo no subterrâneo com suas carnes queimadas cheias de larvas de mosquitos. Ninguém olha para elas. Ninguém se importa com elas. Elas são escória. São Sujas. Vivem a margem, nos subterrâneos. Elas sou eu. Negra chorando no fundo de um porão de um navio negreiro. Gay espancado na sarjeta com seus miolos indo embora pelos bueiros carregados pela chuva. Ateia em uma câmera de gás sem roupa com a pele em contato com outros descrentes de merda que sentem a pele derreter em meio a gases do grande Deus-Fungo (que não acreditamos). Pobre desdentado, comendo sopas servidas por padres que querem chupar seu pau em troca de comida, sorvendo toda a gosma do Deus-Fungo para dentro de uma religião que prega o ódio. Viciada em elétricos eletrônicos de ultra-técnologia.

O Deus-Fungo controla a cabeça dos olhos-abertos-que-nada-vêem e o Deus-Fogo é seu inimigo. O Deus-Fogo não controla ninguém. O Deus-Fogo odeia seus discípulos, o Deus-Fogo odeio a todos. Apenas queima! Queima sua pele para os parasitas-mosquitos.

Os parasitas mosquitos lançam ideias, minha cabeça tem ideias que não são minhas. Ideias que pertencem a realidade. Minha pele putrefata vomita larvas que morrem em peles não-queimadas.

Deus-Fogo é meus pastor, tudo me machucará.

Minha vida é controlada por duendes mecânicos que moram embaixo da minha casa e não há nada que eu possa fazer. Quero sair do subterrâneo, quero ser como todos que o Deus-Fungo controla, mas é tarde demais. Uma vez no subterrâneo você está preso pra sempre no monte de esterco da realidade.

Meu cérebro é meu porque sou uma preta bixa não-crente ralé junky da sociedade!

Mas não me tirem do subterrâneo, não tirem as larvas do meu braço queimado. É tudo que eu tenho! É tudo que me resta..

Gustavo Campello

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

BULLYING


 
Em Memória de Lou Reed

Da onde vem esta coisa de eu ser diferente? Underground? Gostar de literatura e música que não são assim tão convencionais? Porque eu não leio os Best Sellers mais vendidos? Porque eu não escuto as mais tocadas na rádio?

Estas são perguntas que eu nunca soube responder até este domingo (27/10/2013).

Neste domingo morreu Lou Reed. Mas o que tem haver o Lou Reed com a minha vida e o título desta matéria? Calma, vamos por partes como já dizia Jack, O Estripador.

Em 1992 eu repeti a 5ª série, bombei, fui reprovado. Para minha mãe era algo impensável, completamente não aceito nas regras sociais impostas pela cabeça dela. Sendo assim só havia um caminho a seguir: Eu tinha que ser castigado! Fui matriculado no ano seguinte em um colégio católico, mas que de católico nem tinha tanto assim, estava mais para um colégio de guerra. Não havia nenhum tipo de supervisão, as crianças e jovens que freqüentavam este colégio eram um bando de mimados e filinhos de papai, e mesmo eu sendo mimado e filinho de papai não estava acostumado a conviver com pessoas assim. Minha escola antiga era freqüentada por pessoas mais descoladas que gostavam de rock. Era a fase alta do Heavy Metal e eu já tinha o meu cabelo comprido e minhas camisetas do Metallica. Portanto eu sempre dizia que minha fase do Underground começou antes de repetir de ano... Então, eu dizia para mim mesmo, que os anos que se seguiram não tinham haver com isso.

Não gostava da nova escola e dos novos colegas porque era tudo muito diferente de mim, eu era um nerd que gostava de ler livros de literatura e de boa música, foi então que me tornei um alvo. Perseguido e humilhado. Fazia parte de uma minoria e o único aluno de cabelo comprido no meio de um padrão pré-estabelecido. Abaixavam minhas calças, me davam “cuecão” e as vezes chegavam a atos de violência mais grave como socos, chutes e empurrões. Em casa minha mãe parecia não acreditar muito nas coisas que eu contava, fui me tornando distante, amargo e rancoroso. Aprendi sobre violência, comecei a revidar, brigas constantes. Foi então que eu respirei violência, senti violência, transpirei violência durante quatro anos da minha vida. Dos meus 12 anos até os 15 fui aprendendo a me defender, aprendendo a me distanciar, a odiar. Cheguei a presenciar um estupro de um garoto por dois valentões, abaixaram a calça dele, deitaram no chão e me afastei. Não era da minha conta, a vítima em questão também era cuzão comigo, não ia me meter. Dei as costas e fui embora, mas se mexessem com algum dos meus poucos amigos eu dava a cara pra bater. Havia um garoto que tinha tido uma diarréia que foi perseguido e humilhado durante todo o período escolar da vida dele, ainda é meu amigo, acredito que suas lesões tenham sido ainda piores que as minhas. Briguei, apanhei, sobrevivi ao que considero um período de merda na minha vida. As vezes sentia como se estivesse cumprindo uma pena semi aberta. Mas o que foi que eu havia feito pra merecer isto? Ah é... Tinha reprovado a 5ª série.

Nunca mais fui o mesmo, tem marcas que ficam pra sempre com a gente. Abracei o submundo, fui arrastado para o Underground. Nunca conseguia conversar com uma mulher sem achar que ela ia me achar um idiota, afinal eu não era diminuído por todos que estavam ao meu redor? Tinha medo dela rir de mim e de todos em volta acabarem me taxando de idiota, como na escola. Tinha medo das pessoas. Tranquei-me no meu quarto e só fui realmente sair muitos anos depois, foi preciso muita terapia pra eu conseguir colocar mais ou menos as coisas em ordem.

Quando minha pena encerrou eu escrevi uma redação no último ano que foi uma bomba na família. O tema era: O que vai estar fazendo em 10 anos? Nela eu narrava minhas aventuras com o IRA (Exército Republicano Irlandês) onde todo dia eu explodiria uma bomba em alguma rua para ferir a soberania inglesa em um país ocupado, mas caso eu não conseguisse ir para a Irlanda sempre havia a possibilidade de abrir uma clinica de aborto. Pronto, meu tapa na cara de todos que me obrigaram a ficar estes quatro anos neste presídio estava dado. A madre diretora me chamou pra uma conversa, meus pais foram chamados e todo o colégio ficou sabendo sobre a tal redação. Eu era o demônio, um monstro, algo que rastejava entre os dejetos do colégio. Meu pai chegou a dizer que eu não era mais filho dele... Enfim, quase minha pena foi prolongada, mas finalmente estava livre daquele colégio e minha vida nunca mais foi tão terrível assim.

Mas as cicatrizes nunca sumiram. Sempre me acompanharam. Fazem parte de mim. Meus pais nunca pediram desculpas por me castigarem, inclusive ainda insistem que eu precisava ser castigado. Parei de esperar desculpas e decidi ir em frente.

Mas o que o Lou Reed tem haver com tudo isto? Bem, ele morreu neste domingo e foi só então que eu percebi que gostar de literatura, de ouvir um bom rock e essas coisas todas foi o que me salvou de não ter ficado realmente louco. Lou Reed foi meu salvador, assim como David Bowie, Patti Smith, Morrissey, Neil Young, Iggy pop, Kurt Cobain, Jerry Garcia, David J., entre tantos outros. Conhecendo um pouco a história do Lou, me recordo do fato dos pais dele terem tratado de sua bissexualidade com uma terapia de eletrochoque, não sei se existe correlação entre minha história e da dele, mas só sei que o que eu vivi não foi fácil, não desejaria para nenhuma criança e só quem realmente passou por tudo isto que pode opinar. Não ligo quando ouço “você está exagerando”, apenas sei que não foi fácil quando olho nos olhos do meu amigo que sofreu uma diarréia que selou toda a sua perseguição posterior... Olho a mesma angustia, a mesma tristeza... Seus olhos são espelhos do meu.

Enfim... Mas não respondi a pergunta lá de cima ainda... Da onde vem esta coisa de eu ser diferente? Underground? Gostar de literatura e música que não são assim tão convencionais? Porque eu não leio os Best Sellers mais vendidos? Porque eu não escuto as mais tocadas na rádio?

Acho que ser diferente está no meu DNA, frequentava a casa da minha tia Cleide que tinha sempre boa literatura e boa música e isto começou a fazer parte de mim, entrou nos meus poros. Então o Lou morreu e eu percebi de onde vinha o meu lado rancoroso, todo o meu ódio, meu distanciamento da raça humana, minha dor e meus pesares... E pela primeira vez na minha vida inteira eu percebo que uma coisa não está ligada a outra. Ser diferente não está ligado ao meu ódio, a minha dor.

Depois de 10 anos sumido da mídia, David Bowie lançou uma música intitulada “Where Are We Now?”... E só agora que eu realmente olho para aquele garoto de 12 anos e ele olha para mim, nós choramos, olhando um para o outro e então eu o abraço e depois de muito tempo parece que tudo vai ficar bem. Parece que finalmente tudo está acabando.
 
Gustavo Campello

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

MORRISSEY



Vitor tinha um dilema, ou ele ia no show do Morrissey, um dos seus grandes ídolos do rock oitentista ou ele ia no show da Nina Simone, da qual também era fã incondicional. O dinheiro estava curto e ele teve que optar pelo show mais barato.

Vitor já era um universitário no curso de cinema, estava um pouco desiludido com a faculdade também. Achou que ia encontrar pessoas como ele, mas a verdade é que ele era o único da classe que havia assistido Blade Runner. Todo mundo queria trabalhar nos programas idiotas da televisão. O fato é que Vitor estava bem falido, teve que juntar uma grana pra conseguir o ingresso para o show do Morrissey no dia 4 de Abril de 2000. Iria sozinho.

Aquela turnê, Oye Esteban, não era de nenhum álbum novo. Morrissey resolveu fazer uma turnê mesmo assim porque estava com dificuldade pra achar uma gravadora que bancasse seu novo trabalho. Foi um estouro, onde quer que ele fosse a turnê lotava. Mesmo com toda as exigências absurdas, boatos dizem que ele pediu um motorista mudo pra não encher o saco dele, e tem também o lance do vegetarianismo. Ele não canta se estiverem vendendo carne num raio de tantos metros ou quilômetros.

No portão já dava pra constatar o grau de fanatismo dos seguidores do cantor, além de camisetas, bottons e chaveiros usuais, existia uma fronha de travesseiro com o rosto do Morrissey estampado. Item de colecionador hoje em dia.

Vitor sentou numa roda com alguns fãs do The Cure, trocou uma idéias e quando o show começou conseguiu um lugar na grade. The Boy Racer abriu o show seguida de Alma Matters. Esta última uma das preferidas de Vitor.

- BOXERS! – Vitor gritou pedindo sua preferida, sabia que ele não havia tocado Boxers no show do dia anterior que seu amigo tinha ido, mas não custava tentar. Morrissey porém pareceu nem ouvir e continuou com November Spawned a Monter seguida de Hairdresser on Fire.

- BOXERS! – Vitor se recusava a desistir, ele iria ganhar a música. Morrissey pareceu perceber o pedido e fez cara de blasé.

Não lembra direito que música estava tocando quando percebeu que ao seu lado estava uma garota cega. Aquilo realmente mexeu com ele. No meio daquela multidão, daquele aperto de gente, bem na grade ela estava ali bem ao seu lado. Vitor segurou a menina de um lado e um cara segurou-a do outro e levantaram-na bem ali. Morrissey percebeu que a menina não enxergava e puxou ela para o palco para a surpresa da mesma. Vitor ganhou um aperto de mão do cantor e gritou “BOXERS!”. Ele pareceu rir. A menina teve o seu dia de glória. Chorou e abraçou o ídolo e assim Morrissey conseguiu o status de fodão ao lado de David Bowie junto a Vitor.

Quando Meat is Murder se encerrou Vitor tentou mais uma vez – BOXERS! – gritou a plenos pulmões.

- STOP SCREAMING! – gritou Morrissey de volta enfezado. Parecia que Vitor havia aborrecido o cantor. Pareceu que não ia adiantar nada ficar gritando Boxers, ele não ia mudar a SetList por causa dele. Ficou um pouco triste e Morrissey começou a cantar Lost. Quando a canção chegou ao fim, Morrissey olhou direto pra Vitor e com um sorriso disse ao microfone:

- Ok, Ok! And Now... BOXERS! – Vitor não podia acreditar naquilo.

Losing in your home town
Hell is the bell
That will not ring again
You will return one day
Oh, because of all the things
That you see
When your eyes close

No final das contas, Vitor também teve seu dia de glória.

O show acabou com Speedway, mas ele voltou para uma canja tocando Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me.

Saindo do show Vitor conseguiu comprar duas camisetas por R$10,00, elas ainda estão no seu armário e ele só as usa muito de vez em quando. Foi definitivamente um dos Top 5 melhores shows de sua vida inteira.

Gustavo Campello

sábado, 10 de agosto de 2013

BLUR



Era o dia 21 de Novembro de 1999 e Vitor tinha que prestar a prova do vestibular da USP. Era a segunda vez consecutiva que ia tentar fazer aquela prova desgraçada. Estava prestando letras. Naquela época a prova tinha 160 questões que o aluno fazia em dois dias.

Como se concentrar na prova sabendo que no mesmo dia tinha um show do Blur em São Paulo?

- Olha essa concorrência! – Vitor dizia para Jorge que já estudava em uma faculdade pública e estava lhe dando uma carona até o local da prova – Eu nunca vou passar!

- Faz a prova com calma!

- Como se calma fosse me responder reações de oxidação da tabela periódica!

O local estava cheio de carro, Vitor ficou na esquina e foi até a escola a pé. Chegou ao seu lugar e tinha uma garota com cara de inteligente.

- Vai prestar o que? – disse Vitor puxando papo.

- Medicina, e você?

- Medicina? Sério? – houve um silêncio constrangedor – Eu vou prestar letras.

A garota fez uma cara de “Se eu fosse prestar letras passava fácil” que deixou Vitor puto. O assunto morreu aí.

As questões de biologia e química estavam revirando as entranhas de Vitor. Parecia que sua cabeça estava vazia. Sentia-se o mais ignorante da face da Terra. Que porra de perguntas eram aquelas? Pra que diabos ia usar aquilo no curso de letras? Deu uma olhadela na prova da garota da frente... “Ela ta prestando medicina” – pensou. Copiou a primeira questão de biologia dela, eram alternativas, a prova dela tinha as mesmas respostas, mas as questões estavam embaralhadas. Então Vitor copiou a segunda... E a terceira... e foi assim durante toda a prova. Definitivamente ele não confiava no seu taco.

Saiu da prova e foi correndo para a rodoviária, ainda dava tempo de assistir ao show do Blur.

Comprou o ingresso na bilheteria e o show já havia começado. Perdera sua música favorita Country House. Entrou e toda a tensão da prova foi embora, ele estava lá atrás, o palco estava longe e ele foi indo na direção dele, levando chutes, socos, ombradas e cotoveladas. A prova do vestibular não existia mais. Em meio a rodinhas de bate cabeça e o som de guitarra alto ele pulava ao som de Parklife.

Foi só quando a banda tocou Beetlebum que a multidão se acalmou um pouco:

And when she lets me slip away
She turns me on and all my violence gone
Nothing is wrong, I just slip away and I am gone
Nothing is wrong, she turns me on
I just slip away and I am gone

Vitor gritava Country House sem saber que eles já haviam tocado, ele devia ter perdido as três primeiras músicas.

Foi um show do cacete, só ficou imaginando como iria embora pra casa, estava tarde e viu até a Marisa Orth saindo dos camarotes onde os ricos assistiam aos shows. Comprou uma cerveja e conseguiu uma carona até a rodoviária, ainda devia ter ônibus que saíssem pra sua cidade naquela hora.

No final das contas ele passou na primeira fase do vestibular colando da menina que queria medicina. Ele era o Rei das Colas. Um título que devia receber do reitor da universidade na opinião dele, mas na segunda fase não teria uma garota de medicina na sua frente e não sentia a menor segurança de que iria passar em uma boa universidade.

No dia 18 de Dezembro ele passou no curso de Radio e TV de uma universidade particular, foi no mesmo dia que comemorou seu aniversário daquele ano. Marcel, Jorge e Giulio rasparam seu cabelo. Bons tempos. Deve ter uma foto do seu primo correndo com a tesoura atrás dele em algum lugar. Logo depois a banda deles, Caixa Materna, se dissolveu, era hora de crescer.

Muita merda ainda estava por vir.

Gustavo Campello

sexta-feira, 28 de junho de 2013

METALLICA



Quando Vitor fez 11 anos ganhou seu primeiro vinil da sua avó. Era o álbum Ride Of Lightining do Metallica. Seu primo ganhou no mesmo natal o Blood Sugar Sex Magik do Red Hot Chili Peppers. Ouviam os dois discos juntos o tempo todo. Um tempo depois Vitor deixou o cabelo crescer pela primeira vez.

O Metallica tocou no Brasil em 1993, mas Vitor era muito novo e sua mãe não deixou ele ir. Ficou deprimido.

Então quando ele já tinha idade o Metallica voltou! O show estava marcado para o dia 8 de maio de 1999. Já não era mais a sua banda favorita, mas ainda gostava bastante. Umas semanas antes do show seu cachorro ficou doente, era terminal e ele estava deprimido, chegou a pensar em não ir no show, mas Marcel o convenceu do contrário. Foram com uma van com outros amigos. Buda, Inferno, Damião e Cotovelo eram os amigos metaleiros que foram juntos. Chegaram bem cedo e já tinha uma fila.

Ficaram bebendo na fila e Vitor comprou uma camiseta de um cambista.

- Que merda! – disse o Inferno olhando Vitor colocando a camiseta.

- O que foi? – Vitor perguntou intrigado vendo que ele olhava atrás da camisa – ta rasgada?

- Pior!

- Que foi porra?

- Tá escrito Kirk Hammett errado! – realmente estava escrito “Kirk Hamlett”.

Vitor ficou puto e saiu com Marcel pela fila tentando vender a camiseta, mas parece que ninguém tinha dinheiro. Um cara parou eles e perguntou quanto era, Vitor reparou que ele estava uma camiseta do Lobo desenhada pelo Simon Bisley.

- Pra você é de graça se me der sua peita!

Trocaram as camisetas e Vitor ganhou uma camiseta do Lobo que usa de vez em quando até hoje.

Quando conseguiram entrar já tava um bolo de gente perto do palco.

- Vêm atrás de mim – disse Inferno. Ele era um cara muito alto, com cara de mal, gente boa, mas tinha cara desses putos violentos que te quebram a cara se você respirar da maneira errada perto dele. Tinha quase dois metros e era musculoso o filho da puta. Foi abrindo caminho entre as pessoas, um sujeito tentou encarar ele e acabou sendo levantado no ar e jogado a mais de um metro de distância em cima das outras pessoas. Ficamos olhando a cena com olhos arregalados, mas ninguém mais se meteu com a gente.

Sepultura abriu o show, quando o Igor Cavalera bateu na bateria a primeira vez foi o inferno na terra. A namorada de um cara tava sentada nos ombros dele em frente de Vitor, todo mundo se espremeu e a bunda dela entrou na cara dele. Vitor mal conseguia respirar e ficou com a cara enfiada na bunda da mina durante uma música inteira. Quase foi morto em um show do Metallica por uma bunda. Teve que se afastar do palco pra respirar e Marcel foi seguindo ele. Era uma pancadaria só.

Quando o Metallica entrou os caras mandaram muito bem, mesmo sem telão e essas frescuras. Era um show de rock das antigas, a banda tava no palco e só. Tocaram apenas uma música do vinil que Vitor tinha, Fight Fire With Fire:

Fight fire with fire
Ending is near
Fight fire with fire
Bursting with fear
We shall die
Time is like a fuse, short and burning fast
Armageddon is here, like said in the past

Foi quando o tênis de Vitor voou do seu pé, conseguiu abraçá-lo no ar e vestir a meio de trancos e barrancos.

Não tocaram Fade to Black que era sua música preferida. Quando o show acabou as pessoas foram saindo e deu pra ver um mar de tênis sendo deixados para trás. Damião havia perdido um e calçou outro qualquer para não ir embora com um pé descalço.

Na volta Inferno quase matou Vitor porque ele não parava de falar, achou melhor ficar quieto e todos dormiram. Depois que o Jason Newsteed saiu da banda, Vitor achou que o Metallica perdeu a graça, era seu integrante favorito. Dois dias depois seu cachorro morreu e nem se lembrou mais do show.

Gustavo Campello