Em Memória de Lou Reed
Da onde vem esta coisa de eu ser
diferente? Underground? Gostar de literatura e música que não são assim tão
convencionais? Porque eu não leio os Best Sellers mais vendidos? Porque eu não
escuto as mais tocadas na rádio?
Estas são perguntas que eu nunca
soube responder até este domingo (27/10/2013).
Neste domingo morreu Lou Reed.
Mas o que tem haver o Lou Reed com a minha vida e o título desta matéria? Calma,
vamos por partes como já dizia Jack, O Estripador.
Em 1992 eu repeti a 5ª série,
bombei, fui reprovado. Para minha mãe era algo impensável, completamente não
aceito nas regras sociais impostas pela cabeça dela. Sendo assim só havia um
caminho a seguir: Eu tinha que ser castigado! Fui matriculado no ano seguinte
em um colégio católico, mas que de católico nem tinha tanto assim, estava mais
para um colégio de guerra. Não havia nenhum tipo de supervisão, as crianças e
jovens que freqüentavam este colégio eram um bando de mimados e filinhos de
papai, e mesmo eu sendo mimado e filinho de papai não estava acostumado a
conviver com pessoas assim. Minha escola antiga era freqüentada por pessoas
mais descoladas que gostavam de rock. Era a fase alta do Heavy Metal e eu já
tinha o meu cabelo comprido e minhas camisetas do Metallica. Portanto eu sempre
dizia que minha fase do Underground começou antes de repetir de ano... Então,
eu dizia para mim mesmo, que os anos que se seguiram não tinham haver com isso.
Não gostava da nova escola e dos
novos colegas porque era tudo muito diferente de mim, eu era um nerd que
gostava de ler livros de literatura e de boa música, foi então que me tornei um
alvo. Perseguido e humilhado. Fazia parte de uma minoria e o único aluno de
cabelo comprido no meio de um padrão pré-estabelecido. Abaixavam minhas calças,
me davam “cuecão” e as vezes chegavam a atos de violência mais grave como
socos, chutes e empurrões. Em casa minha mãe parecia não acreditar muito nas
coisas que eu contava, fui me tornando distante, amargo e rancoroso. Aprendi
sobre violência, comecei a revidar, brigas constantes. Foi então que eu
respirei violência, senti violência, transpirei violência durante quatro anos
da minha vida. Dos meus 12 anos até os 15 fui aprendendo a me defender,
aprendendo a me distanciar, a odiar. Cheguei a presenciar um estupro de um
garoto por dois valentões, abaixaram a calça dele, deitaram no chão e me
afastei. Não era da minha conta, a vítima em questão também era cuzão comigo, não
ia me meter. Dei as costas e fui embora, mas se mexessem com algum dos meus
poucos amigos eu dava a cara pra bater. Havia um garoto que tinha tido uma
diarréia que foi perseguido e humilhado durante todo o período escolar da vida
dele, ainda é meu amigo, acredito que suas lesões tenham sido ainda piores que
as minhas. Briguei, apanhei, sobrevivi ao que considero um período de merda na
minha vida. As vezes sentia como se estivesse cumprindo uma pena semi aberta. Mas
o que foi que eu havia feito pra merecer isto? Ah é... Tinha reprovado a 5ª série.
Nunca mais fui o mesmo, tem
marcas que ficam pra sempre com a gente. Abracei o submundo, fui arrastado para
o Underground. Nunca conseguia conversar com uma mulher sem achar que ela ia me
achar um idiota, afinal eu não era diminuído por todos que estavam ao meu
redor? Tinha medo dela rir de mim e de todos em volta acabarem me taxando de
idiota, como na escola. Tinha medo das pessoas. Tranquei-me no meu quarto e só
fui realmente sair muitos anos depois, foi preciso muita terapia pra eu
conseguir colocar mais ou menos as coisas em ordem.
Quando minha pena encerrou eu
escrevi uma redação no último ano que foi uma bomba na família. O tema era: O que
vai estar fazendo em 10 anos? Nela eu narrava minhas aventuras com o IRA (Exército
Republicano Irlandês) onde todo dia eu explodiria uma bomba em alguma rua para
ferir a soberania inglesa em um país ocupado, mas caso eu não conseguisse ir
para a Irlanda sempre havia a possibilidade de abrir uma clinica de aborto. Pronto,
meu tapa na cara de todos que me obrigaram a ficar estes quatro anos neste presídio
estava dado. A madre diretora me chamou pra uma conversa, meus pais foram
chamados e todo o colégio ficou sabendo sobre a tal redação. Eu era o demônio,
um monstro, algo que rastejava entre os dejetos do colégio. Meu pai chegou a
dizer que eu não era mais filho dele... Enfim, quase minha pena foi prolongada,
mas finalmente estava livre daquele colégio e minha vida nunca mais foi tão
terrível assim.
Mas as cicatrizes nunca sumiram.
Sempre me acompanharam. Fazem parte de mim. Meus pais nunca pediram desculpas
por me castigarem, inclusive ainda insistem que eu precisava ser castigado. Parei
de esperar desculpas e decidi ir em frente.
Mas o que o Lou Reed tem haver
com tudo isto? Bem, ele morreu neste domingo e foi só então que eu percebi que
gostar de literatura, de ouvir um bom rock e essas coisas todas foi o que me salvou
de não ter ficado realmente louco. Lou Reed foi meu salvador, assim como David
Bowie, Patti Smith, Morrissey, Neil Young, Iggy pop, Kurt Cobain, Jerry Garcia,
David J., entre tantos outros. Conhecendo um pouco a história do Lou, me
recordo do fato dos pais dele terem tratado de sua bissexualidade com uma
terapia de eletrochoque, não sei se existe correlação entre minha história e da
dele, mas só sei que o que eu vivi não foi fácil, não desejaria para nenhuma
criança e só quem realmente passou por tudo isto que pode opinar. Não ligo
quando ouço “você está exagerando”, apenas sei que não foi fácil quando olho
nos olhos do meu amigo que sofreu uma diarréia que selou toda a sua perseguição
posterior... Olho a mesma angustia, a mesma tristeza... Seus olhos são espelhos
do meu.
Enfim... Mas não respondi a
pergunta lá de cima ainda... Da onde vem esta coisa de eu ser diferente?
Underground? Gostar de literatura e música que não são assim tão convencionais?
Porque eu não leio os Best Sellers mais vendidos? Porque eu não escuto as mais
tocadas na rádio?
Acho que ser diferente está no
meu DNA, frequentava a casa da minha tia Cleide que tinha sempre boa literatura
e boa música e isto começou a fazer parte de mim, entrou nos meus poros. Então
o Lou morreu e eu percebi de onde vinha o meu lado rancoroso, todo o meu ódio,
meu distanciamento da raça humana, minha dor e meus pesares... E pela primeira
vez na minha vida inteira eu percebo que uma coisa não está ligada a outra. Ser
diferente não está ligado ao meu ódio, a minha dor.
Depois de 10 anos sumido da mídia,
David Bowie lançou uma música intitulada “Where Are We Now?”... E só agora que
eu realmente olho para aquele garoto de 12 anos e ele olha para mim, nós
choramos, olhando um para o outro e então eu o abraço e depois de muito tempo
parece que tudo vai ficar bem. Parece que finalmente tudo está acabando.
Gustavo Campello
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