Ele ainda
sente alguma coisa porque seu coração foi arrancado há apenas dez minutos.
Sente o desespero correndo por todo o seu corpo, sente as lágrimas brotarem de
seus olhos, sente saudades daqueles que nunca mais vai ver e sente repulsa por
onde se encontra.
“Malditos
duendes mecânicos!” – pensa antes de sentir medo por ver que já há vermes
brotando de sua pele – “que lugar escuro é aquele?”.
Um trilho de
trem logo à frente, do outro lado ele vê os outros sem-coração como ele,
andando apáticos pelo lugar. O trem chega, ele tenta entrar, mas o maquinista
não deixa.
- Sinto
muito, cara – ele diz – mas nada de sem-corações no meu trem!
Os olhos do
maquinista sofrem de heterocromia, é a primeira coisa que ele consegue perceber
dele, mas é empurrado pra fora antes que possa dar outra boa olhada.
Sente seu
peito formigando, sente sede e sente fome.
O desespero
diminui como todo o resto. Seus sentimentos já estão abandonando sua alma.
Um duende
mecânico passa por perto dele, sente um calafrio, mas já não tão intenso.
- Devolvam
meu coração! – ele grita chutando o ser metálico, ninguém vira o rosto para
observar a cena, ninguém liga. O duende mecânico leva em consideração o fato do
homem ter perdido o coração há pouco tempo.
Um homem ao
seu lado come os vermes que brotam de seu antebraço, sente vontade de vomitar.
O trem vai
embora sem levar ninguém, quase sempre é assim, mas o homem não sabe e daqui um
tempo nem vai perceber o trem chegando mais. O submundo, o subterrâneo, o
porão, a dimensão da passagem, o portão, o caminho... Aquele lugar é conhecido
por inúmeros nomes, centenas deles. Um lugar que leva a todos os porões de cada
casa construída no Edifício. O homem começa a tentar raciocinar que diabos de
lugar é aquele, mas sua cabeça já não pensa tão bem.
Enfia a mão
no buraco que tem no peito, os dedos passam por onde antes havia um coração.
Sente repulsa, mas a sensação é agradável.
Trinta
minutos depois de perder o coração o homem já anda em meio a multidão, comendo
vermes, sem saber onde está, sem sentir nada, completamente apático, talvez
para todo o sempre. Se algum dia um duende mecânico se sentir misericordioso em
relação a ele, então talvez ganhe outro coração e tenha uma segunda chance,
enquanto isso irá vagar por ali durante uns bons anos.
E o maquinista
continuará indo e vindo, levando alguns poucos afortunados, mas nunca trazendo
ninguém.
Gustavo Campello
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