Poucos
sabem, mas Bohus foi o primeiro homem do Edifício, não havia ninguém por lá
ainda, aquela enorme construção de concreto pairava vazia, sem sons, sem
cheiro, sem nada. O concreto frio em contato com a pele de Bohus o fez sentir
um arrepio, mas não era um arrepio de frio, mas um arrepio de medo.
Estava completamente sozinho na maior construção que já existiu e que se tem
notícias.
O resto foi
puro instinto, aprender a mexer nas coisas que lá havia, ligar a máquina de
café, abrir um saco de salgadinhos, tudo foi automático como se ele fosse a
engrenagem de uma máquina gigantesca, uma parte integrante que sempre existiu, não um ser
pensante que havia acabado de se materializar por ali.
Bohus não
era um Adão, como diria anos mais tarde aquele livro idiota. Se tinha algo que
Bohus odiaria, se ainda tivesse a consciência que deveria ter, era a Bíblia Sagrada do Deus-Fungo, mas Bohus já não lembrava mais que era o primeiro homem, os duendes
mecânicos fizeram um bom serviço com ele.
Bohus estava
lá muito antes do Deus-Fungo, viu o segundo homem surgir do nada e se tornaram
amigos. Marcelo era divertido e não saberia dizer quanto tempo os dois ficaram
lá, sozinhos. A vida era estranhamente calma, bem melhor do que de onde eles
haviam saído, daquele mundo pútrido dominado pelo Deus-Fungo. Criaram palavras
que aprendiam conforme sonhavam e viam coisas que não compreendiam muito bem.
Comiam, falavam, transavam e ficavam bêbados, alterados com substâncias que
estavam ali à vontade para eles. A vida era boa.
Foi só então
que surgiu a primeira mulher, Zahrat, que as coisas ficaram complicadas. Bohus
gostava dela e ela de Bohus, mas Marcelo não estava gostando nada de ficar de
lado, vivia cada vez mais e mais bêbado e cada vez com menos sexo. Queria
transar e Bohus só queria saber de foder com Zahrat, queria conversar e Bohus
só queria saber de falar de Zahrat, queria companhia e Bohus só queria andar
com Zahrat.
Marcelo
entrou em uma loja que nunca havia notado, havia armas por toda a parede, mas
ele não sabia para que serviam, demorou uns dois anos até que tenha entendido
que precisava colocar balas dentro para que funcionassem direito. Queria matar
Zahrat.
- Sua puta
desgraçada – gritou ele apontando-lhe a arma – vou acabar com você!
- Está
louco? – gritava Bohus de volta.
- Éramos
felizes! Éramos felizes – era o que gritava Marcelo quando a arma disparou.
Bohus entrou na frente e levou três disparos no peito, a dor era imensa, mas
não morreu, já que a morte não ronda as entranhas do Edifício.
Marcelo
tentou correr, mas Bohus o alcançou, mesmo com a dor que percorria todo o seu
corpo que expelia as balas lentamente. Bohus esmurrava Marcelo inúmeras vezes
enquanto ele chorava, tentava se desculpar enquanto engolia sangue e lágrimas.
Por fim teve o coração arrancado, foi arrastado até o porão mais próximo e
jogado no subterrâneo.
Muitos
vieram depois, muitos já foram embora, mas os três permanecem no Edifício até
hoje.
Gustavo Campello
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