O homem já sobe as escadas há
um bom tempo. Passando por andares e andares do mundo Intermediário.
De vez em quando ele para em
um desses andares para comer algo em algum lugar. Suas pernas nunca se cansam.
Todos os andares são iguais para ele depois de tanto tempo subindo. Já não
consegue identificar algo diferente nos andares em que para para comer algo.
Até as pessoas parecem as mesmas, ele sabe que elas não são as mesmas, mas se
parecem.
Deve passar mais de 200
andares por jornada até resolver descansar. É quando dorme encostado em uma das
escadas que vai para cima se encontrar com o infinito. Ele quer saber onde o
mundo Intermediário acaba. Deve estar subindo faz mais de mil e oitocentos anos
terrestres, parando apenas para comer e descansar. Pelas contas do homem ele já
deve ter passado por trezentos e sessenta mil andares. Todos iguais, cheios de
pessoas, com lugares para comer, casas e músicas saindo de algum lugar.
Nada muda, tudo é sempre o
mesmo, mas o homem nunca se cansa. Vai continuar subindo por mais mil e
oitocentos anos terrestres se precisar. A curiosidade é maior do que qualquer
outro impulso. Seu pau já nem se lembra mais do sexo, seu fígado já nem se
lembra mais dos porres e seu cu já não caga faz tempo.
Algumas pessoas nem notam ele
sempre subindo, em alguns andares ele se tornou uma lenda. Contam histórias
sobre ele para os outros homens que se materializam do ar. Homens que tentam
entender onde estão. Homens que tentam entender sobre o Deus-Fungo. Homens que
tentam entender sobre os duendes mecânicos. Mas estes homens logo se
desinteressam pelas perguntas e vão viver suas vidas como todos os outros
homens.
O homem se lembra quando foi
consumido pelo Deus-Fungo no mundo Anterior. Poucos se lembram disso. Quase
ninguém se lembra onde estava antes de se materializar no mundo Intermediário.
Mas este homem que sobe as escadas se lembra.
- Mas e se o mundo é um
círculo? – um viajante lhe indagou uma vez – E se você já subiu tanto que
chegou nos andares abaixo de onde você estava?
O homem ficou com esta dúvida
e começou a fazer uma marca de tinta vermelha a cada 100 andares. Nos últimos
quinhentos anos terrestres ele nunca chegou a encontrar uma de suas marcas
vermelhas e recentemente desistiu de fazer estas marcas.
Mas e se ele chegar no fim do
mundo Intermediário? O que ele vai fazer então? Sentar e descansar? Os andares
são todos iguais e parecem nunca mudar. E se alguém está apagando suas marcas
de tinta vermelha?
Ele sobre mais um andar.
E outro.
E mais outro.
Algo mudou. Este andar é
diferente dos outros. Há menos pessoas, está mais vazio. Cinco pessoas se
materializam em um curto espaço de tempo. Fazendo as mesmas perguntas de
sempre. O homem está atônito agora, depois de tanto tempo um andar diferente. A
população de pessoas é cada vez mais escassa. Até que não há mais pessoas,
andares completamente vazios. Seu coração dispara e ele continua a subir rumo
ao infinito lance de escadas. Revigorado, degrau a degrau, no silêncio.
Sozinho.
Gustavo Campello
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