Era o dia 21 de Novembro de
1999 e Vitor tinha que prestar a prova do vestibular da USP. Era a segunda vez
consecutiva que ia tentar fazer aquela prova desgraçada. Estava prestando
letras. Naquela época a prova tinha 160 questões que o aluno fazia em dois
dias.
Como se concentrar na prova
sabendo que no mesmo dia tinha um show do Blur em São Paulo?
- Olha essa concorrência! –
Vitor dizia para Jorge que já estudava em uma faculdade pública e estava lhe
dando uma carona até o local da prova – Eu nunca vou passar!
- Faz a prova com calma!
- Como se calma fosse me
responder reações de oxidação da tabela periódica!
O local estava cheio de carro,
Vitor ficou na esquina e foi até a escola a pé. Chegou ao seu lugar e tinha uma
garota com cara de inteligente.
- Vai prestar o que? – disse
Vitor puxando papo.
- Medicina, e você?
- Medicina? Sério? – houve um
silêncio constrangedor – Eu vou prestar letras.
A garota fez uma cara de “Se
eu fosse prestar letras passava fácil” que deixou Vitor puto. O assunto morreu
aí.
As questões de biologia e
química estavam revirando as entranhas de Vitor. Parecia que sua cabeça estava
vazia. Sentia-se o mais ignorante da face da Terra. Que porra de perguntas eram
aquelas? Pra que diabos ia usar aquilo no curso de letras? Deu uma olhadela na
prova da garota da frente... “Ela ta prestando medicina” – pensou. Copiou a
primeira questão de biologia dela, eram alternativas, a prova dela tinha as
mesmas respostas, mas as questões estavam embaralhadas. Então Vitor copiou a
segunda... E a terceira... e foi assim durante toda a prova. Definitivamente
ele não confiava no seu taco.
Saiu da prova e foi correndo
para a rodoviária, ainda dava tempo de assistir ao show do Blur.
Comprou o ingresso na
bilheteria e o show já havia começado. Perdera sua música favorita Country House. Entrou e toda a
tensão da prova foi embora, ele estava lá atrás, o palco estava longe e ele foi
indo na direção dele, levando chutes, socos, ombradas e cotoveladas. A prova do
vestibular não existia mais. Em meio a rodinhas de bate cabeça e o som de
guitarra alto ele pulava ao som de Parklife.
Foi só quando a banda tocou Beetlebum que a multidão se acalmou um pouco:
And when she lets me slip away
She turns me on and all my violence gone
Nothing is wrong, I just slip away and I
am gone
Nothing is wrong, she turns me on
I just slip away and I am gone
Vitor gritava Country House sem saber que eles já haviam tocado,
ele devia ter perdido as três primeiras músicas.
Foi um show do cacete, só
ficou imaginando como iria embora pra casa, estava tarde e viu até a Marisa Orth saindo dos camarotes onde os ricos
assistiam aos shows. Comprou uma cerveja e conseguiu uma carona até a
rodoviária, ainda devia ter ônibus que saíssem pra sua cidade naquela hora.
No final das contas ele passou
na primeira fase do vestibular colando da menina que queria medicina. Ele era o Rei das Colas. Um título que
devia receber do reitor da universidade na opinião dele, mas na segunda fase
não teria uma garota de medicina na sua frente e não sentia a menor segurança
de que iria passar em uma boa universidade.
No dia 18 de Dezembro ele
passou no curso de Radio e TV de uma universidade particular, foi no mesmo dia
que comemorou seu aniversário daquele ano. Marcel, Jorge e Giulio rasparam seu
cabelo. Bons tempos. Deve ter uma foto do seu primo correndo com a tesoura
atrás dele em algum lugar. Logo depois a banda deles, Caixa Materna, se
dissolveu, era hora de crescer.
Muita merda ainda estava por
vir.
Gustavo Campello